segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Tá acabando já

A vida material às vezes pode ser como uma partida de jogo que iniciou tardiamente.
De repente alguém te chamou pra sair às 8, e você inicia uma partida de meia hora às 7:45.
O cara chega no meio da partida.
E no meio dela e você percebe que já tá repetindo as coisas sem muita necessidade, e sente necessidade de abandoná-la, mas não vai fazer a desfeita de deixar a experiência pra lá e seus amigos do clã ou equipe na mão.
Então você fica até o final, mas sem se ligar muito com o resultado das coisas, mais interessado talvez no processo em si.
Até que venha o próximo processo, talvez o de sair com o camarada que marcou de sair, e depois o processo de encontrar o pessoal no shopping, e depois o processo de ver o filme no cinema com a galera, e depois o processo de comer, enfim.
Todos são repetições; o que interessa é a experiência dessas repetições, que nunca é a mesma. Mas evidentemente, ela pode se saturar, e você pode entender a ciclicidade. Tal como ver certos tipos de filme pode se tornar mais do mesmo, se há um uso extensivo de clichês e estereótipos.
A não ser que você esqueça tudo e recomece de novo.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

A pracinha de saquarema

A timeline do facebook é, assim como diversas coisas, exatamente como a pracinha de saquarema.

Você viaja pra saquarema pra ficar em casa, boiando na piscina e jogando cartas e tabuleiro - não tem mais nada pra fazer lá; tem uma pracinha, entretanto, que serve como um reduto dos esperançosos por algo que poderia vir a acontecer, mas nunca de fato acontece.

Tudo o que você pode fazer lá
é perder tempo procurando evidências o suficiente para se convencer
de que Nada tem para se fazer lá.

Do mesmo modo, eu fico vendo esses comentários e acabo me lembrando fatalmente de que não tem nada aqui, e sempre dou uma segunda olhada pra ver se não aparece algo diferente, como se estivesse procurando razões pra me convencer de que não há nada que preste aqui.

A sensação de que tudo o que resta é se convencer de que nada resta deveria ter uma palavra própria.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

I'm going to take it

"I just want to be the greatest rapper ever. And if not the greatest, then at least one of the best. That's what I want - along with respect.

But I'm not going to beg for respect, or beg for acceptance. I'm going to take it."

Eminem

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Educar para Transcender?

Jorge Sanjinés se reinventou a partir do choque advindo da crítica popular aos seus filmes. É evidente que havia aquele fetiche de que as camadas populares se vissem no cinema, havia essa necessidade de se ver representada na tela. Mas isso não evitou que alguns dissessem que, em seus filmes de denúncia, não viam nada de novo: sofriam na pele aquilo que era mostrado nas telas, diariamente - ninguém precisava lhes relembrar aquilo. Isto expõe a necessidade da transposição do caráter apenas denuncialista para o propositor, o reflexivo e uma idéia de ciclo, e aí fica a pergunta se a própria idéia de ciclo precisa ser também transcendida.

Por exemplo, existe uma condição de financiamento estatal que impede projetos culturais de saírem do papel. Há a denúncia, que deflagra uma série de outras denúncias, até que se esgota o caráter denunciativo. Durante esse processo, pode ou não surgir manifestações propositivas (além de denunciativas), por exemplo projetos de lei que consertem esse problema com os projetos culturais. Daí o projeto de lei pode ou não ser votado, e caso se concretize em lei, suas implicações na sociedade tornam-se eventualmente tema de reflexão - e num futuro, possivelmente essas reflexões venham a produzir novas denúncias.

Traçando uma ligação à condição pós-moderna, esta que enxerga ciclos cada vez menores de criação-implantação-consumo-obsolescência, há também a reflexão sobre a possibilidade de transcender a ciclicidade. O debate é fortemente necessário, pois há um grande ceticismo, presente nas obras, quanto às teorias todo-explicativas (que tem certa pretensão de tudo explicar), por exemplo a luta de classes de Marx ou o inconsciente, de Freud. E surgem cada vez mais artigos relacionando luta de classes e jogos online (com o perdão da metonímia). Vejam este exemplo: http://gamehall.uol.com.br/v10/a-luta-de-classes-ja-chegou-no-mundo-virtual/

É algo sobre o qual se escrever, especialmente em situações de alta desigualdade social, de subdesenvolvimento. Quero dizer que o fato de denunciar em si tem sido esgotado, tal como as teorias todo-explicativas - e elas contribuem para esse esgotamento quando fomentam leituras críticas de temas que não exatamente produzem desigualdades tão sensíveis - vide os temas defasados. Se os ciclos de obsolescência do mecanismo de denúncia-proposição-reflexão estão ficando cada vez menores, o que vai acontecer com a substancialidade das suas respostas?

Digo isso por que parece que os ciclos estão chegando ao fim. Estamos numa espécie iminência constante da transcendência de muitas questões que passam por essa característica de ciclicidade, especialmente sobre alguma variação do tripé ver-fazer-refletir, que é próprio da experiência de ser - não só parte de uma metodologia de ensino de vídeo-processo. O engraçado, em se falar de Cinema e Educação, é que no dia 22/10/2013, estava no II Encontro de Educadores de Cinema e Vídeo, parte da agenda da semana acadêmica. As falas finais estiveram permeadas por palavras em prol da busca pela transcendência.

A busca pela transcendência é, fatalmente, a busca pelo sublime, pela realização do Self, pela libertação das estruturas de controle do Ego, e ela está de alguma maneira, presente nas artes. Essa característica foi apontada como um dos propósitos do cinema.

O que eu digo é que na verdade ela É o cinema - ou melhor, o cinema é a melhor tentativa do homem, a mais forte de todas, de se encontrar fora do eu, encontrar-se fora de si, para que a partir desse encontro, seja capaz de transcender as sensações e o entendimento, e seja quem de fato se é - não o simulacro de si construído pela linguagem, que por mais elaborado e evoluído que seja, é tentativa, não coisa em si. Esse eu é colocado na tela, reconhecido, e aí é transcendido.

Quando uma professora antes apontara a questão da cautela que se deve ter ao lidar com a situação de condicionamento, disse depois que já reconhecia aí, no próprio exercício da produção fílmica, a idéia de transcendência. Esta professora estava falando que alguns alunos estavam fazendo filmes sobre temas denunciativos que não eram próprios da sua realidade, como a gravidez na adolescência e as drogas - estavam fazendo suas escolhas a partir não daquilo que realmente queriam porém a partir de uma expectativa, consciente ou não, de aprovação por parte do professor. Então seria necessário desfazer esse condicionamento, com grande cuidado, afim de que o aluno fosse capaz de expressar-se a partir da sua verdadeira personalidade, e não buscando uma aprovação externa.

O que é essa busca pela verdadeira personalidade senão a busca pelo próprio Self? O que é libertar-se desse ciclo de fisgar-puxar-soltar (cujas iscas são de aprovação, aceitação e outras coisas, que no fundo são o mesmo - moedas de medo) senão libertar-se do próprio Ego? A busca pela transcendentalidade é, fatalmente, a busca pela liberdade - a liberdade de ser mais.

Bom, a quantidade de coisas que a ferramenta pode comunicar (de maneira direta e principalmente indireta) é tremenda, é como comparar fibra ótica à conexão discada. Isso por que a linguagem cinematográfica (com ressalvas da generalização é claro), com toda sua fluidez e subliminaridade comunicativa dá conta muito bem de sequestrar a atenção do espectador, de puxar ele pela gola para dentro da janela e colocá-lo enfiado dentro daquele personagem a quem é associado o plano POV, por exemplo. É através dessa capacidade que acontece o fenômeno de alteridade.

Um dia desses você pode se encontrar pensando alguma coisa que você acha que é de sua autoria, mas na verdade pode não ser bem isso, por que o que proporcionou a confecção daquela idéia foi exatamente a sua experiência de ser o outro, que um filme proporcionou um dia desses e você nem percebeu - só depois, refletindo a respeito. Por isso é preciso uma constante reflexão do que é que está sendo visto na tela, e mais do que isso, é preciso que haja uma resposta.

Em se tratando de Cinema e Educação, existe o desafio de fazer filmes sobre a escola não apenas tomando-a como cenário, porém como agente personificado – isto é, em outras palavras, fazer filmes que dialoguem Com a escola. A escola tem que ser capaz de falar e criar meios para isso, e um deles é a câmera.

A educação – enquanto conjunto de fenômenos simultâneos de aprendizado e ensino – é produto das transposições entre gerações diferentes, e seus modos de ser, agir. O conhecimento e a cultura se produzem e se perpetuam nessa interface e através dessa cadeia de fenômenos incessantes. Então se for possível haver uma ideologia política subjacente ao uso e a criação dos mitos e estereótipos no cinema hollywoodiano (estereótipos como os de professor e o de aluno, por exemplo, que produzem efeitos no inconsciente) então é obrigação dos estudantes de cinema no Brasil (um país tão prejudicado em termos de educação) empreender ações que democratizem os meios de captura e entendimento desses fenômenos, e o mais importante, que respondam aos mesmos – em outras palavras, também tem que ser possível haver uma resposta sensível a essas ideologias subjacentes.

É compreensível que haja um medo do poder da ferramenta audiovisual, uma vez que a capacidade de expressão dela é abismal. Hitler, Stalin e tantos outros construíram cinematografias e influenciaram identidades e deixaram signos no inconsciente daqueles que frequentaram os filmes, em prol de agendas bastante claras, viabilizadas pela máquina estatal. O cinema constituiu fração generosa da máquina propagandista desses governos.

A escola tem que ser capaz de se expressar nesse sentido – assim como um professor não deve ser apenas um passador e o aluno um receptor, a própria escola também não deve ser apenas um receptor, se não ela se perde do seu sentido. Assim posto, o ensino do cinema se projeta como uma poderosa arma de democracia, dando aos alunos e professores essa capacidade de produzir respostas audiovisuais, e conscientizar-se da expressão - e desenvolver de fato potencialidades, para além dos tijolinhos quadradinhos de conhecimento cimentado em currículos produzidos em decisões centralizadas.

Nesse contexto é preciso dizer que sim, o cinema pode ser tudo isso, uma máquina de guerra, uma máquina de educação e de construir nações e etnias, mas ele pode ser mais - na verdade ele, tal como o homem, ele É muito mais, só não está consciente disso sempre.

Chamam de projeção o fenômeno que proporciona ao homem uma ilusória experiência de capacidade de manipular aquilo que está dentro dele a partir de fora dele. As questões mais profundas da nossa mente não estão dadas; não são manipuláveis, tampouco são claras. Então o homem, incapaz de olhar para dentro com a mesma clareza que olha pra fora, projeta. Em outros tempos esse mecanismo foi razão do fim de inúmeros relacionamentos e de tanto sofrimento - a incapacidade humana de enxergar o outro para além do Eu que há no outro - que é a projeção.

O cinema, entretanto, permite Manipular o Eu. Permite ser Outro, e aprender com a experiência de ser ele. O cinema é capaz de quebrar essa barreira entre Eu e Outro mostrando o óbvio: que ela não existe. O cinema é capaz de mostrar Aquilo que diz ou explica - e que, por tal, não pode ser explicado ou dito. O cinema mostra que a realidade é uma construção, que você é quem a cria. No fim, o Cinema, a Educação e a busca por transcender são partes inseparáveis da mesma coisa.

Os ciclos estão chegando ao fim; é hora de transcender.



domingo, 20 de outubro de 2013

Manifesto por uma Nova Instituição de Acolhimento ao Calouro

Mais especificamente sobre o trote do curso de Cinema da UFF, este artigo foi inspirado por uma manifestação contra o trote que ocorreu no grupo de Cinema.

Eu não participei tanto, à altura, do tópico relacionado, mesmo por que como já disse em outro texto, nem sempre as pessoas querem construir uma opinião elaborada ou encontrar verdades. O que acontece é uma inevitável briga animalesca entre egos - com o intuito único de provar que o outro está errado.

Fiz apenas uma colocação no sentido de situar o que de fato é o trote. Para além da argumentação feita ali no grupo, o que pode não ter ficado claro acerca do meu posicionamento é que eu sou contra o trote e defendo o rompimento com esta tradição - porém respeito a liberdade individual, e se outros grupos quiserem fazer, problema é deles.

Discutam com seus amigos e perguntem quais deles fizeram trote, e peçam para que eles reflitam sobre o quanto isso foi relevante na sua socialização enquanto calouro, e quais são suas experiências a respeito.

Não é preciso ser um gênio para saber que a relevância do trote enquanto forma de socializar os calouros é mínima ou nula - e ainda diria que se não é nula, é para pior, não para melhor. É brilhante como algumas pessoas acreditam mesmo que colocar a cara na farinha e se sentir fudido junto com os amigos cria senso de união - ao invés de acreditar na convencional construção paulatina do bom relacionamento, na apropriação do espaço da faculdade, essas coisas bobas. 

Portanto não vou perder meu tempo chutando cachorro morto, e dando adjetivos negativos bonitos ao trote estudantil, dizendo por que é humilhante, contribui para a reprodução do comportamento não-desperto, de reafirmação da opressão, etc. Para mais, leiam aqui: http://pt.wikipedia.org/wiki/Trote_estudantil

Falo aqui de uma possível ressignificação. Sou contra. O trote é uma brincadeira imbecil, só isso. Não se faz uma brincadeira imbecil sem a imbecilidade. Brinca-se de outra coisa.

Se é possível falar nesses termos, o trote enquanto instituição tem história, nome, significados e ressignificados, todos em torno de (mesmo que em tom crítico) sua essência, que se não é algo exato, certamente é constituído de elementos de um lugar comum do inconsciente, e evidentemente reafirma o status quo em alguma parte, queira ou não.

Defendo, portanto, a abolição desse tipo de prática e a construção de uma nova instituição em seu lugar. Com outro nome, que reflita uma outra essência, a partir da qual a significação e a ressignificação seja feita, constituindo elemento cultural e herança cultural (étnica, se assim vale).

Já é previsível aí a vontade dos estudantes de cinema, por exemplo, de produzir vídeos com e para os calouros. Essa herança, deixada em memórias, textos, vídeos, enfim obras de pensamento, refletiriam essa essência e nome novos, e constituiriam cultura.

Evidentemente, esse debate passa pela definição de Educação: o conjunto de fenômenos de aprendizado e ensino que acontece simultaneamente na transposição das gerações, isto é, no encontro, choque e mistura entre uma geração mais velha e outra mais nova. E nessa interface é que acontece produção e perpetuação de conhecimento e cultura. Nesse sentido que faz uma tentativa de retorno à essência (sem muito rigor argumentativo, usando apenas com objetivos clareadores), a nova instituição referida deveria servir também para uma maior apropriação do espaço da faculdade, ao invés de servir exatamente ao contrário, criando espantalhos do ambiente acadêmico discente e docente.

Ao invés de perder tempo colocando a cara na farinha e perpetuando as mesmas besteiras de sempre, por que não produzimos um legado cultural que jogue o calouro para o olho do furacão que é a educação superior? Que deixe ele sabendo o que caralhos significa Pró-Reitor. Você sabe o que é um e pra que serve - ou mesmo quem são eles?

Schopenhauer, ainda na linha do comentário sobre a discussão, lembra: tanto ler e aprender quanto escrever e ensinar, quando em excesso, são prejudiciais ao pensamento próprio e à clareza e profundidade de saber. Sendo assim esse diálogo Constante (entre as novas gerações), além de ser a essência da educação e portanto a coisa mais importante que deve haver dentro de um ambiente acadêmico, é a própria construção e perpetuação da consciência e do espaço que conhecemos por Universidade.

Se uma das idéias reformistas do trote era de uma real integração do calouro, ao invés de um mero uso desse pretexto para na verdade perpetuar os mesmos preconceitos e comportamentos reafirmadores de características do status quo, acho que esse é o único caminho.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Respeito e Liberdade

A liberdade é, supostamente, uma propriedade imanente ao homem, especialmente quanto ao fato de ser e estar; na ação, passa pela liberdade do outro a partir do reconhecimento do eu no outro e portanto na condição de liberdade do eu que há no outro.

O sentimento que invoca o controle do eu quando na invasão da liberdade do outro é reconhecido por respeito.

Porém, há também o respeito pelo superior - aquele que sabe mais, inspira mais, tem mais amor, sabedoria ou legado intelectual/material (o que não necessariamente implica em relação de poder, dependendo do grau de horizontalidade da sociedade - mas não se trata disso o texto). É, portanto, um reconhecimento de algo maior do que o eu, de fato, no outro.

Há uma conexão entre o sentimento acima e o logo acima para além do nome Respeito. Todo homem tem liberdade para ser-estar, entretanto reconhecendo o outro, limita o próprio agir em respeito ao ser-estar do outro (i.e. do Eu no outro). A partir desse reconhecimento, a ética (ou o modo de ser do outro) pode tocá-lo para então, de algum modo, ser também como o outro.

O reconhecimento de algo superior nesse aspecto é o reconhecimento de uma capacidade superior do outro no seu fato de ser - o que acaba sendo um grau de liberdade maior - que o eu não é, supostamente, capaz de atingir na ocasião, por motivos conscientes ou não, verdadeiros ou não.

O sentimento de respeito, portanto, é o reconhecimento da própria liberdade individual, e a do outro, acima de tudo. As limitações materiais são claras, estão dadas; mas o ser humano é mais do que a matéria. Evidentemente, o sentimento de respeito abrange também mais que a materialidade.

Na materialidade ele é limitado, devido às suas condições físicas e aspectos relacionados; porém no modo de ser e estar (e suas implicações em conhecimento e cultura), o homem é infinito. Assim, o sentimento de respeito, quando estendido para além da materialidade, pode admitir um reconhecimento de superioridade - evidentemente relacionado à capacidade de ser, que é liberdade.

É digno de respeito aquele que é mais - isto é, é mais livre para ser, e portanto é. Logo, aquele que possui liberdade. Logo todo homem é digno de respeito material igual; e existe entretanto uma forma de respeito mais profunda além dele no que se refere à ética. Respeito e Liberdade individual são indissociáveis.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Everything and Nothing

de Jorge Luis Borges

Ninguém existiu nele; por trás de seu rosto (que mesmo nas pinturas ruins da época não se assemelha a nenhum outro) e de suas palavras, que eram copiosas, fantásticas e agitadas, não havia senão um pouco de frio, um sonho não sonhado por ninguém. No início pensou que todas as pessoas fossem como ele, mas a estranheza de um companheiro com o qual começara a comentar essa fatuidade revelou-lhe seu erro e fez com que sentisse, para sempre, que um indivíduo não deve diferir da espécie.

Certa vez pensou que nos livros encontraria remédio para seu mal e então aprendeu o pouco latim e menos grego de que falaria um contemporâneo; depois considerou que no exercício de um rito elementar da humanidade bem poderia estaro que procurava, e deixou-se iniciar por Anne Hathaway, durante uma longa sesta de junho. Aos vinte e tantos anos foi a Londres. Instintivamente, adestrara-se no hábito de simular que era alguém, para que não se descobrisse sua condição de ninguém; em Londres encontrou a profissão para a qual estava predestinado, a de ator, que em um palco brinca de ser outro, diante da afluência de pessoas que brincam de tomá-lopor aquele outro.

As tarefas histriônicas lhe ensinaram uma felicidade singular, talvez a primeira que conheceu; mas, aclamado o último verso e retirado da cena o último morto, o detestável sabor da irrealidade recaía sobre ele. Deixava de ser Ferrex ou Tamerlão e voltava a ser ninguém. Acuado, deu de imaginar outros heróis eoutras fábulas trágicas. Assim, enquanto o corpo cumpria seu destino de corpo, embordéis e tabernas de Londres, a alma que o habitava era César, que ignora o aviso do áugure, e Julieta, que se aborrece com a cotovia, e Macbeth, que conversa na planície com as bruxas que também são as parcas.

Ninguém foi tantos homens como aquele homem, que à semelhança do egípcio Proteu pôde esgotar todas as aparências do ser. Às vezes, deixou em algum canto da obra uma confissão, certo de que não adecifrariam; Ricardo afirma que em sua única pessoa faz o papel de muitos, e lagodiz com curiosas palavras "não sou o que sou". A identidade fundamental do existir, sonhar e representar inspirou-lhe passagens famosas. Durante vinte anos persistiu nessa alucinação dirigida, mas certa manhã oassaltaram o tédio e o horror de ser tantos reis que morrem pela espada e tantosamantes infelizes que convergem, divergem e melodiosamente agonizam.

Naquele mesmo dia resolveu a venda de seu teatro. Antes de uma semana havia regressado à cidade natal, onde recuperou as árvores e o rio da infância e não os vinculou àqueles outros celebrados por sua musa, ilustres de alusão mitológica e de vozes latinas.Tinha de ser alguém; foi um empresário aposentado que fez fortuna e a quem interessam os empréstimos, os litígios e a pequena usura. Nesse personagem ditou o árido testamento que conhecemos, do qual deliberadamente excluiu todo traçopatético ou literário. Costumavam visitar seu retiro amigos de Londres, e ele retomava para eles o papel de poeta.

A história acrescenta que, antes ou depois de morrer, soube-se diante de Deuse lhe disse: "Eu, que tantos homens fui em vão, quero ser um e eu". A voz de Deus lhe respondeu, em um torvelinho: "Eu tampouco o sou; sonhei o mundo como sonhaste tua obra, meu Shakespeare, e entre as formas de meu sonho estás tu, que como eu és muitos e ninguém".

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Em busca da mentirosa posse de verdade

Schopenhauer fala em "Art of Controversy" que o homem conversa em consonância, atê que encontra um ponto em que discorda do outro. E nisso, naturalmente assume que o outro está errado, independente de uma racionalidade subjacente ao fato.

Da incapacidade humana de controlar o ímpeto próprio de assumir que o outro está errado ao invés de rever a própria teoria a partir daquilo que foi proposto pelo outro em busca de inconsistências, inúmeros debates são entravados com o intuito único de provar que o outro está errado. Deixa-se de lado completamente qualquer compromisso com a verdade, ou ao menos a construção de uma opinião mais elaborada e madura.

Não que toda conversa tenha de ser assim, uma palestra. Eu sei também que a Verdade é um sonho impossível, ou um "cobertor muito curto, que se você pode puxar para cobrir o rosto, destapa os pés".

O que incomoda são as contradições óbvias que destroem a lógica antes do debate de fato começar, e a posterior reivindicação de uma lógica para o discurso - que já antes de começar foi impossibilitada. Seja por alguma falácia inadvertida, algum ataque sofista, alguma erística ou babaquice mesmo (ataque pessoal).

Pra quê, me digam, todo esse esforço lógico se não há compromisso algum com racionalidade - senão aquela que vai fazê-lo parecer correto?

O campo ideológico de debate se torna um mero campo de batalha, e, as palavras, armas. Temos uma disputa territorial instaurada.

O mundo, desse ponto de vista, parece ao primeiro olhar, apenas um zoológico de humanóides - as grades são sistemas de crenças. Mas são as regras que fazem o jogo, são as limitações que fazem a forma.

Não sei o que seria do homem sem suas contradições.


quarta-feira, 3 de julho de 2013

Dualidade

O elétron e as partículas menores são partícula e onda simultaneamente. Tipo um filme.

Um filme é composto de imagem e som. Se você dá pause, você tem uma imagem estática. A cinemática visual é uma sucessão de imagens estáticas, que em ritmo correto, dão a ilusão de movimento. A imagem é partícula.

Se você dá pause, o som pára. Você não pode dar pause no som de uma forma que mantenha-se uma unidade estática. O som só existe quando é fluido. O som é onda.

A vida é tipo uma música. Você não pode dar pause nela.

sábado, 27 de abril de 2013

Choice

Antes de fazer o movimento certo,

é preciso parar de fazer o movimento errado.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Tempo

Leva tempo para curar,
leva tempo para fechar feridas,
para se desprender do passado,
para entender que não existe futuro,
para aprender a ficar no presente,
para ver que o Tempo é uma ilusão que dá sentido ao falso eu, que morre,
para ver que tem algo eterno além.

Leva tempo, mas todo dia o sol renasce e se põe,
todo dia o mar vem e vai, suavizando as curvas na areia,
todo ano cristo morre e renasce na páscoa,
todo dia fazemos alguma coisa que nos ensina algo importante,
e se ainda continuamos sofrendo com as mesmas coisas de sempre, é que tem alguma coisa que não aprendemos.

Leva tempo, mas surge às vezes alguém pra mostrar que existe sim amor em São Paulo,
para mostrar que tem coisa pela qual vale apena viver, ao invés de sobreviver de sedativos,
para mostrar que nem todo mundo cede quando sente dor,
para mostrar que honra não é algo bom nem ruim; apenas honra-se coisas boas ou ruins,
para mostrar que ninguém precisa te mostrar nada disso, você mesmo pode ver por si,
para mostrar que não podemos ficar à expectativa de que os outros resolvam as nossas coisas por nós,
e que não podemos resolver nada por ninguém, apenas ajudar a quem se ama a resolver por si.

A guerra acaba,
a paz volta a de fato ser, por algum tempo,
as perdas são incontáveis, insubstituíveis,
mas nunca são realmente perdas.

A paciência de deus vive sendo testada, mas sempre está certa no final,
Por que o tempo não passa de uma ilusão para o que é eterno, aqui e agora.

Levará tempo, mas vai haver um momento
em que todos nós saberemos que existe um deus dentro de cada um de nós,
através do qual a coisa certa sempre é feita,
de um jeito ou de outro.

Será que vai levar tempo,
para que as nossas feridas curem,
para que a gente aprenda a não se atormentar por imagens falsas criadas na mente ou memórias e suas associações, e continue a viver no passado,
para que a gente aprenda a amar sem medo, sem necessidade de sacrifícios senão a própria renúncia ao ego, que é fonte do sofrimento,
para que a gente se dessintonize das frequências ruins,
para que deixemos de ser tudo aquilo que não somos
e sobre apenas o que de fato somos,
aquilo que não pode ser retirado, movido ou modificado,
o eterno e essencial, o espírito,
um com o todo?

Depende de quanto tempo para você leva de agora para agora.
O tempo é só uma ilusão.

sexta-feira, 29 de março de 2013

Bulletproof


Não é irônico que as feridas invisíveis aos olhos sangrem por eles?

A música é o contrário da matemática. Matemática é linguagem sem significância.

Se eu tenho (x - y)² = (x + y)(x - y). Tanto faz quem é y ou x. Digamos que x seja 2 e y seja 3 - dois, três o quê? Dois, três quilos de queijo? Não importa o que seja, sempre é.

Não na música. Lá só o que importa é o que realmente é. Música é significância sem linguagem.

Todas as músicas que eu escrevo faziam um sentido quando eu escrevi, hoje fazem outro, amanhã farão outro, e a cada dia eu descubro novos significados para elas. E todos eles são o mais profundamente verdadeiros que qualquer exatidão matemática.

Por que somos todos apenas humanos: nós falhamos, e está tudo bem - assim como a matemática na fronteira do paradigma ou da interpretação.

E aí, a música é a única coisa que realmente cura a dor, que nada mais é do que o vazio, seja ele deixado em uma ferida pela falta da carne, seja ele deixado entre as palavras tortas pela falta de significado.

Nós seremos um para sempre, mas lembre-se de ter cuidado com o que fazem.

Por que nenhum de nós é à prova de bala.

quarta-feira, 27 de março de 2013

Neo, enfim, morre

Neo morreu.
Os agentes os encurralaram num corredor e correndo para a salvação em um telefone, ele arromba uma porta. E nela, Smith o esperava com a pistola apontada para o coração.

Smith atira uma vez. Neo sangra. E surge o segundo, o terceiro, o quarto tiro, quantos mais forem necessários para garantir a morte.

Mas o escolhido é aquele que tem o poder de fazer o que quiser. E então o beijo de amor verdadeiro acorda a vida que sempre houve dentro dele.

Neo não morreu. Mr. Anderson morreu. O falso eu, cheio de dúvidas, descrenças, inseguranças, medos, morre.

Agora sim, Neo, de fato, vive.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

O que não foi dito

Eu acho que entendi por que não conseguia sentir algumas coisas que são apenas perceptíveis aos mais sensíveis.

É por que a dor é grande demais. 

Pra fugir dela, vivemos com sedativo debaixo da pele, sem esperança por uma cura.  
Estivemos sedados mesmo da percepção de qual seria a cura.
E eu não vi que a cura para a dor, obviamente, não poderia ser o sedativo.
Vivendo de colecionar figurinhas de aprovação que sedam a pele quando coladas.
Vivemos de fotos que guardam o passado e não vivemos o presente.

A dor é grande demais. E quando é assim, às vezes o passado continua voltando.
Se eu abraçar a dor, ninguém mais poderá me machucar, por que a dor é parte de mim, eu sei. Mas eu queria mesmo que ela fosse embora, ela é um parente indesejado. 
Um pouquinho a mais um pouquinho a menos não vai fazer muita diferença agora. 
Ou será que vai? Será que parar de alimentá-la, ela morre de fome?
Mas qual é a diferença entre fazer isso e se sedar?

A dor é grande demais. Isso está nas músicas e em tudo mais. 
Quando a gente projeta em alguém ou algo, parece que é um pedaço de nós que vai embora junto com esse algo ou alguém, quando ele vai. 
E a dor é o vazio que resta, como que a carne que falta em uma ferida.
Parece que tem sempre uma ferida sangrando, sempre uma rua por onde eu ando, e esses algos e alguéns, eu sei, nunca voltarão.
E mesmo se eles voltassem, será que a ferida estancaria?

Como eu posso me despedir dessas memórias para viver no presente e cessar a dor, se ela me continua a lembrar delas?
Talvez pudesse ajudar a curar as feridas um pouco de amor. Mas o fato de amar alguém te faz querer que a pessoa seja feliz de verdade, independente de ser com você.

O que não foi dito é que, na verdade eu não consegui evitar de projetar dessa vez, mesmo tendo sido relembrado disso. Eu não consegui evitar nada. Eu estive sob sedativo esse tempo todo.
A ferida sempre esteve aberta, exposta, mas sedada... até que algo encostou na minha ferida de novo.

O que não foi dito é que, na verdade, eu nunca entendi direito nada disso, sempre fui como um moleque curioso que cola adesivos no seu caderno da banda favorita, mas não entende nada de música. Sedado, nem poderia.

O que não foi dito é que eu acreditei cegamente por que eu não tinha outra escolha, era isso ou o fim, e eu me convenci a continuar (eu diria que você me convenceu, mas isso tem cara de projeção). Mas eu não poderia acreditar de verdade em algo que não entendo, e tenho que confessar: duvidei inúmeras vezes de tudo, por conta disso. E é por isso que eu e ele continuamos sem avançar, sem vontade, por que nós não fizemos nada além de nos sedar.

O que não foi dito é que, no entanto eu sou profundamente grato por tudo, mesmo. Talvez isso soe incoerente, mas eu sempre quis dizer isso do fundo do coração e nunca tive coragem.

O que não foi dito é que eu sinto a dor agora. Eu acordei com ela no peito, e na garganta.
O que não foi dito é que eu fiz o que fiz achando que era a coisa certa, mas eu estou morrendo de dor, por que ela não está aqui. Na verdade, ninguém está mais aqui.

No final, sou escravizado pelo meu sonho de encontrar as figuras do passado e reviver os momentos de felicidade, de uma maneira que eu não consigo viver no presente direito. O presente é como um grande sonho torto do qual eu não sei acordar. Achei que soubesse, mas eu só estava me sedando.

O que não foi dito é que eu amo profundamente a todos esses alguéns em quem eu projetei, apesar da projeção. Você com quem eu converso toda noite, vocês que me ajudaram a salvar a mim mesmo, vocês que parecem comigo na dor. Eu sou só um cara e não pude evitar. Eu diria que eu sou mais do que isso, mas eu não sei o que é pra dizer de verdade.

Desculpem, mas a dor era grande demais.

O sofrimento agora acaba, desistindo dele e de tudo que dele vem.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Enfim só

Venho metaescrever da contraditória vontade de se dizer que se está de bem com o silêncio.

Estou sozinho e sem mente ligada. E assim não existe nada. Por que, não sendo eu um indivíduo - como um braço não é - nada pode perceber o resto senão como a si, de uma maneira que não é externa (EX iste), o que faz com que nada exista.

Somos pernas que ouvem sobre os meios dos braços, os quais ouviram sobre os meios dos olhos, que ouviram sobre os meios do cérebro e do coração. Até quando estaremos seguindo os passos de outros?

As minhas projeções nos outros deixam de existir quando eu deixo de existir. Então assim será.

Não interessa a composição àquele que não tem necessidade de se expressar e nem necessita de ouvir senão a verdade que há no silêncio. Assim como a música da vida pode ter inúmeras passagens com propósitos diversos, o propósito da música ainda é a própria música - o propósito divino da criação é ser.

E no silêncio eu não mais existirei, apenas seremos.


segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Approval Junkies


Os peixes agressivos aprenderam a comer pequenos pedaços dos rabos de seus semelhantes para não morrerem de fome.

"There is something about yourself that you don't know. Something that you will deny even exists, until it's too late to do anything about it. It's the only reason you get up in the morning. The only reason you suffer the shitty boss, the blood, the sweat and the tears. This is because you want people to know how good, attractive, generous, funny, wild and clever you really are. Fear or revere me, but please, think I'm special. We share an addiction. We're approval junkies. We're all in it for the slap on the back and the gold watch. The hip-hip-hoo-fuckin' rah. Look at the clever boy with the badge, polishing his trophy. Shine on you crazy diamond, because we're just monkeys wrapped in suits, begging for the approval of others."