sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Manifesto sobre o Namoro

Você aprendeu a namorar vendo novela?
Você já foi chantageado emocionalmente por idéias subjetivas e muito questionáveis do modelo "quem ama (não) faz isso"?

Se sim, parabéns, você faz parte da massa.

Este texto é um prosseguimento de Manifesto sobre o Amor.

Há algum tempo atrás, tomei a decisão própria de que não mais namoraria, até completar uns 30 e poucos anos. Essa decisão teve base em experiências com relacionamentos passados meus e de outros.


Quando a gente gosta de alguém, significa que temos afinidades, produzimos respostas sensoriais (às vezes automáticas) associadas ou à pessoa dada ou a características/comportamentos relativos à tal.

Assim, um relacionamento qualquer que seja é uma troca de experiências sensoriais, e também de informações com o objetivo indiretamente semelhante. Alguns tipos de relacionamentos possuem regras, claras ou não, como forma de delinear melhor esse tipo de estimulação mútua.

O sexo, por exemplo, é prazeroso, e é portanto uma ferramenta de estimulação sensorial mútua, sendo parte por isso de alguns relacionamentos na sociedade humana, como o namoro ou o casamento.
Já a poligamia do parceiro pode ser desprazerosa e desagradável para algumas pessoas, sendo para elas, portanto, algo incompatível com um namoro.

Vejamos, abdicar da poligamia é restringir sua liberdade de escolha em um aspecto. Isso requer um gasto de energia por parte da pessoa que o faz.
Logo, se o indivíduo se sujeita a um tipo de acordo com essa cláusula, esse acordo deve ser recompensante por outro lado, naturalmente. Quando ele deixa de ser recompensante, o acordo deve ser desfeito.

Por isso eu duvido que namorar seja algo coerente nos dias de hoje para o cidadão médio.

Vejamos.
  • O namoro é um acordo que firma um relacionamento de cunho amoroso entre duas pessoas. É de comum senso que ele seja monogâmico também. 
  • Para manter um relacionamento deste tipo operando devidamente, é necessário, como nós sabemos, que ambas as partes invistam tempo, dinheiro e energia em estimulações sensoriais de uma gama indizível de coisas.
    • Como prazeres sexuais, paixão, carinho, afeto, humor, alegria, conquista/realização de feitos, entre muitas outras coisas. 
    • Como uma empresa, em que os sócios precisam investir recursos para obter retorno.
  • Como qualquer compromisso firmado, decorre que há direitos e deveres. Você tem o dever de ser fiel, e tem o direito de cobrar fidelidade. Você tem o dever de investir energia, e o direito de cobrá-la.
Perceba que há, devido ao caráter formal do acordo, cobrança de ambas as partes, sob pena de desqualificação social e moral perante ao círculo de pessoas conhecidas entre ambos, perante aos quais foi firmado o contrato social.
Alguns psicólogos levemente desprovidos de capacidade de abstração vão confundir esta característica com o objetivo do relacionamento em si, chegando a dizer que o "namoro é para os outros mesmo" - por causa daquela teoria que fala da aceitação ao grupo, lembrado? Cuidado, dizer que ele é qualificado para dizer isso é um argumento ad hominem - uma falácia das brabas.

Se tomarmos por característica humana a tendência à escolha de mais baixo potencial de energia - o que uns chamariam de preguiça, outros de falta de energia, outros de 'N coisas que significam a mesma coisas de antes mas munidas de pretextos diversos' - o compromisso mútuo vai levar inexoravelmente ao esgotamento energético de uma ou ambas as partes, levando à crise e possível colapso do relacionamento.
É como se os dois sócios da empresa ficassem depositando e tirando dinheiro investido nela a todo momento, de modo desorganizado.

Algumas pessoas vão dizer que é preciso ter fé, que é preciso ter coragem pra encarar as crises, os problemas, isso e aquilo, aquele romantismo de filmes e novelas, ou algum blábláblá que alguém/alguma revista ensinou.
Elas só não vão saber dizer o porquê disso, exceto quando tentam formar as clássicas tautologias que levam aos inexoráveis "Sim por que sim/Não por que não".

Se dêem ao luxo de pensar: o que é que se constrói de um relacionamento senão a história deste? Depois que as sensações acabam (e elas são substâncias químicas), é a única coisa que sobra.

Então sobre essa épica idéia de perseverança, vejamos.
Suponha que eu tenha um recipiente com 20g de um sal qualquer, e jogo 100ml de um solvente qualquer. O sal dissolve quase completamente, restando um pequeno corpo de fundo apenas.
Ora, se eu jogo mais 100ml do mesmo solvente e o corpo de fundo não dissolve, então o corpo de fundo não é composto do mesmo sal que o resto.

Isso mostra que o problema, muitas vezes não está na forma de procedimento, mas na incompatibilidade de sua estrutura com os elementos tratados por ele.

O namoro presume que as pessoas possam usar o contrato social firmado através do pedido de namoro como forma de conseguir o que quer da outra pessoa, e não o objetivo essencial do relacionamento, que é o relacionamento propriamente dito - a troca de experiências sensoriais de qualquer grau que seja, como dito antes. Isto é, ficam se fazendo valer do compromisso assumido pelo outro para ter o que desejam enquanto direito sem que se cumpra seu dever.
Você já ouviu a clássica do cafajeste "mulher segura pára de dar"?
Alguns casais menos, outros mais frequentemente fazem isso. Obviamente isso corrompe a relação, pois é de um feito corrupto por si só. Fato é que as pessoas se acomodam eventualmente e deixam de procurar a conquista diária do outro - elas estão se salvaguardando dos direitos implicados pelo contrato.


Eu não namoro pois acho necessário que se pratique a confiança na outra pessoa, e não em um contrato.
 De maneira que, se eu gosto de alguém, nunca vou propor nem persuadir a outra pessoa a firmar um acordo só para que eu possa me sentir seguro dos meus direitos a partir daí.
  • Se eu gosto de verdade de uma pessoa, serei naturalmente impelido a agir de forma pró-ativamente estimuladora (como definido anteriormente). 
  • Vou assumir que ela vá querer fazer isso também caso goste de mim - isto é, ela não tem a obrigação de me retribuir. Faço por que gosto e ela pode fazer por que gosta também.
  • Se no entanto eu me sentir insatisfeito com o resultado da operação, eu poderei diminuir o investimento sem qualquer obrigação, o que poderá ser ou não sentido por ela. 
    • Caso não seja sentido, singifica que o relacionamento não tem futuro, pois o objetivo primário é de investir energia estimulando é se sentir estimulado. 
    • Caso haja resposta positiva de reinvestimento, aí eu posso querer escolher a voltar a reinvestir.

E isso tudo tende ao equilíbrio dinâmico do investimento, como o mercado no modelo neoliberal.

Então posto isso, que coerência tem para o paradigma atual usar de um acordo para firmar um relacionamento? Isso é condená-lo ao insucesso e expor o relacionamento básico com a pessoa ao risco de extinção. Em casos mais graves, o próprio relacionamento entre os círculos envolvendo o casal.

A confiança é a faculdade através da qual se dá um crédito de algum tipo a algo ou a alguém.
Logo, a confiança na outra pessoa deve ser inquestionável desse ponto de vista - se você gosta dela, tem que confiar nela. Ora, se você investe em alguma coisa, precisa ter alguma confiança naquilo, baseada de preferência em evidências bem analisadas.
Como você vai investir em algo em que você não tem confiança nenhuma em que vai te dar retorno?


No entanto, isso não significa que você pode cobrar à outra pessoa explicações e explicações de todas as coisas que ela faz. Isso significa que você deve confiar apenas, isto é, dar o crédito de que esta pessoa usará de seu bom-senso na forma de agir contigo e com os outros perante você, para qualquer coisa que seja.

Veja também que esse modelo pode ser aplicado a homossexuais, dos quais inclusive pode-se tomar casais muito mais estáveis que a média sem haver no entanto uma união formal, fruto de uma mentalidade aberta a questionamentos e pró-ativa em resolver-se honestamente.

O Arquiteto explicou a Neo que foi o Oráculo, um programa intuitivo, quem formulou a resposta para a aceitação da realidade implicada pela matrix, com 99% de sucesso: desde que as pessoas tivessem escolha, mesmo a um nível subconsciente, elas aceitariam o programa.
Isso explicita a melhor forma de controle indireto do ser humano, a delusão da liberdade de escolha. NWO fikdik.

Como já foi dito desde o início desse blog, as pessoas só escolhem a melhor opção que conseguem calcular ao momento da escolha.
Nós sabemos que o fato de existir vida é estranho do ponto de vista termodinâmico, onde o aumento de entropia favorece o acontecimento das reações, ou seja, o aumento no número de moléculas, a decomposição de moléculas grandes, é uma reação favorável desse ponto de vista.
Somos um amontoado de moléculas bem grandes. Somos uma grande soma de mecanismos de controle do ponto de vista cinético de reações, para evitar o aumento de entropia. E as moléculas procuram o caminho cinético de mais baixa energia no momento em que estão reagindo.
Talvez não seja diferente conosco.

Você quer fazer o outro feliz?
Pare de palhaçada, vá e faça - não tire a liberdade dele para seu próprio cortejo. Se você o fizer, é provável que ele vá fazer o que você quer naturalmente. Se você não conseguir, tudo o que ia fazer estabelecendo o acordo seria acabar de uma vez com todas as esperanças.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Hope

Esperança. É a delusão humana quintessencial, simultaneamente a fonte da maior força, e da maior fraqueza nos homens.

Eu não sei se vou conseguir manter a minha.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Para minha irmã, nos seus quinze anos

Isabelinha,

os quinze anos são, na vida de uma menina, um momento de transição. Poder-se-ia crer que a transição é imposta, como a de uma larva a uma borboleta, mas, graças a Deus, que nos concedeu o Livre Arbítrio, não é bem assim. É uma transição cheia de escolhas, a de uma menina em uma mulher, e é isso que você está se tornando hoje. Uma mulher.

Nós tivemos pais que conseguiram nos incutir uma formação ética profundamente virtuosa. Cada um de nós, a nossa forma, expressa esse ensinamento em nossa realidade específica. Este é um dos pontos que pretendo tocar. Sei que não sou seu pai, nem sua mãe, mas assim como aprendi lições valiosíssimas com você, acho que você pode fazê-lo comigo. Sempre se porte da forma mais ética possível, e quando a ética não couber, como em alguns tipos de relações pessoais, use a moral para ponderar.

Nunca atue pensando somente no momento. Agora sua gama de escolhas se expandirá de forma brutal, e você poderá optar entre fazer certas coisas ou não. Algumas coisas nos enganam, parecendo muito prazerosas num momento. Mas você deverá pesá-las numa balança e decidir se valem a pena, se você poderá dormir tranquila depois de tê-las feito. Eu digo orgulhosamente que não me arrependo de nada do que fiz em minha vida. Espero que um dia você possa fazer o mesmo.

“A mulher de César não pode só ser honesta, mas deve parecer honesta”. Essa é uma frase de muitos sentidos, mas em todos eles ela é verdadeira. Conheci meninas ótimas da sua idade, da idade que você está fazendo hoje, mas que, devido as palavras de outrem, perderam seu valor. Claro que temos que descontar os detratores, que pessoas que nem nós sempre terão. Mas nunca se porte de maneira indigna para um ser humano, e especialmente para uma mulher.

As mulheres tem uma função social muito especial. Elas dependem de uma postura perfeita, porque o futuro da humanidade fica nas mãos delas. Pode parecer piegas, mas é a pura verdade. Mulheres tem contadores de valor, baseado em seu histórico. Quer zoar na night, tranquilo. Quer beber um cadinho a mais, tranquilo. Quer ficar com mais que um cara na night... Ops, bad. Nunca faça nada assim.

Sempre, SEMPRE, reflita. Tomar decisões sem reflexão é o princípio do erro. E alguns erros são encadeados, então hão de se perpetuar, até que você pare e reflita. E seja humilde, pra poder (re)tomar sempre a postura correta. Se você errou, admita, volte atrás e faça certo. Se você não errou, finque o pé. Isso não se aplica a discussões bobas. Peça desculpas de zoa. Deus não vai te castigar por isso haha

A humildade vai além disso. Nunca despreze ninguém pela quantidade de dinheiro que ela tem. Eu descobri que as maiores mentes, na maioria das vezes, são as que vivem mais humildemente e que o dinheiro só serve para comprar a ilusão com a qual você vai ter que viver para compensar o que você não tem dentro de si mesmo.

Coloque sempre o próximo na sua frente. Isso evita problemas e vai te deixar feliz. Mas nunca pague o pato. Essa foi uma lição que eu demorei pra aprender, mas não me arrependo.

Tenha ORGULHO. Você É a melhor mulher do mundo, eu sei. Você parece comigo, o melhor homem do mundo! (HAHA zoa) O Orgulho é a melhor característica que uma pessoa pode ter. Orgulho de ser você mesma, melhor que muitos, pior que muitos mais, mas sempre querendo ser mais. Mas Orgulho não é nada sem uma dignidade inquestionável e valores inquebrantáveis. Se você questionar que está errada uma atitude, tenha certeza que ela está.

Tente sempre se superar. Você nunca vai atingir a perfeição, mas não custa nada tentar. A mediocridade é para fracos, que temem os riscos de evoluir, avançar como ser humano. Mas nunca maltrate ninguém que está abaixo de você. Seja sempre caridosa. “Estenda sempre a mão ao pobre, assim como Deus estende ao pecador”.

Nunca se deixe abater. Mesmo quando o mundo estiver caindo, as provas te destruindo, seu namorado te largar pela Simone Simons, irradie felicidade. Pode parecer muito difícil, mas a tristeza é uma corrente muito forte e as únicas correntes que podem te prender aos lados do rio da vida são o ânimo e a paciência. Tudo passa, e se você for positiva, feliz, tudo passa mais rápido. Felicidade atrai Felicidade.

Pense sempre nas mudanças como possibilidades. Um Amor que vai é outro que vem. Pode parecer triste no começo, mas não se deve deixar abater. Deve-se reconhecer a importância do que passou. Nunca menospreze nada. Quem menospreza qualquer coisa na sua vida, se envergonha de quem é. E, bem, você não deve se envergonhar de quem você é.

Por fim, ame. O Amor é o motivo da vida humana e o único caminho pra felicidade. Se você não amar, ou deixar de acreditar no amor, não vale mais a pena viver. Mesmo que um dia pareça mais nublada para você a visão do Amor, nós, sua família, seremos sóis te mostrando o caminho a seguir.

Aqui não tem nada, nada. Viver é MUITO difícil e esses princípios são alguns dos milhões que eu aprendi nesses anos que eu tenho a mais que você. Inclusive, tirando pelo último, não posso nem te dizer que são os mais importantes. Provavelmente esqueci alguns como Perdão e Passividade (tô aprendendo esses ainda haha). Mas se você segui-los, acredite, TUDO será muito mais simples. Por fim, deixo um poema, aliás, três, que resumem tudo que eu disse:

If

Ruyard Kipling (o cara que escreveu “Mogli”)

If you can keep your head when all about you
Are losing theirs and blaming it on you;
If you can trust yourself when all men doubt you,
But make allowance for their doubting too;
If you can wait and not be tired by waiting,
Or, being lied about, don't deal in lies,
Or, being hated, don't give way to hating,
And yet don't look too good, nor talk too wise;

If you can dream - and not make dreams your master;
If you can think - and not make thoughts your aim;
If you can meet with triumph and disaster
And treat those two imposters just the same;
If you can bear to hear the truth you've spoken
Twisted by knaves to make a trap for fools,
Or watch the things you gave your life to broken,
And stoop and build 'em up with wornout tools;

If you can make one heap of all your winnings
And risk it on one turn of pitch-and-toss,
And lose, and start again at your beginnings
And never breath a word about your loss;
If you can force your heart and nerve and sinew
To serve your turn long after they are gone,
And so hold on when there is nothing in you
Except the Will which says to them: "Hold on";

If you can talk with crowds and keep your virtue,
Or walk with kings - nor lose the common touch;
If neither foes nor loving friends can hurt you;
If all men count with you, but none too much;
If you can fill the unforgiving minute
With sixty seconds' worth of distance run -
Yours is the Earth and everything that's in it,
And - which is more - you'll be a Man my son! (Or a woman, my sister – malditos machistas do século XIX)


Invictus

William Ernest Henley

Out of the night that covers me,
Black as the Pit from pole to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul.

In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbowed.

Beyond this place of wrath and tears
Looms but the Horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds, and shall find, me unafraid.

It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll.
I am the master of my fate:
I am the captain of my soul

Simple man

Lynyrd Skynyrd

Mama told me when I was young
Come sit beside me, my only son
And listen closely to what I say
And if you do this it will help you some sunny day

Take your time, don't live too fast
Troubles will come and they will pass
Go find a woman and you'll find love
And don't forget, son there is someone up above

And be a simple kind of man
Be something you love and understand
Baby, be a simple kind of man
Won't you do this for me, son?
If you can?

Forget your lust for the rich man's gold
All that you need is in your soul
And you can do this if you try
All that I want for you my son?
Is to be satisfied

And be a simple kind of man
Be something you love and understand
Baby, be a simple kind of man
Won't you do this for me, son?
If you can?

Boy, don't you worry, you'll find yourself
Follow you heart and nothing else
And you can do this if you try
All I want for you my son
Is to be satisfied

And be a simple kind of man
Be something you love and understand
Baby, be a simple kind of man
Won't you do this for me, son?
If you can?

Baby, be a simple man
Be something you love and understand
Baby, be a simple man (troque todos os “man” por “woman” e os “Mama” por “Bro)

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

O Novo (Velho) Homem

Tenho um amigo que constantemente se indispõem com diversos tipos de pessoas. Ele é truculento, brigão, orgulhoso, arrogante, grosseiro e, muitos de seus comentários, desnecessários. Mas também é inteligente, esforçado, orgulhoso, arrogante e de bom coração.

Eu sempre tive vontade de escrever um texto sobre o comportamento desse meu amigo. Eu devo admitir que por muito tempo não o entendi. Até hoje não consigo compreendê-lo totalmente. Não tivemos uma relação fácil durante uns dois anos, talvez pela minha incapacidade de respeitá-lo como ele era, talvez pela incapacidade dele de respeitar qualquer pessoa pelo que ela é. Mas, depois de um tempo, a maturidade e o cansaço nos convenceram a transigir mais e pudemos, enfim, nos tornar amigos.

Com a oportunidade de conviver mais com ele, pude compreendê-lo melhor e, ao final de algum tempo, mesmo a admirá-lo. Ele tem uma qualidade rara de ser encontrada entre os homens de hoje, este bando de ratos covardes. Ele é orgulhoso do que é, e com motivo. Rapaz dedicado, conseguiu sucesso nos estudos, e se considera acima da carne seca pela sua capacidade intelectual superior. Mas nunca vi ele maltratando quem quer que fosse pela sua menor capacidade de compreensão das matérias que ele dominava. Eu mesmo tive diversas oportunidades de debater com ele sobre assuntos que estavam totalmente dentro de sua alçada e totalmente fora da minha, e nestas conversas fui muito bem tratado, apesar de admitir que devo ter lhe dado trabalho, pois compreendia realmente muito pouco das ciências discutidas.

Esta capacidade de compreender as limitações intelectuais de certas pessoas talvez provenha do fato de já ter lecionado, campo aliás onde teve grande sucesso. Apesar de sua famosa grosseria e rudeza, sua capacidade de transmitir o conhecimento só era limitada pela capacidade da pessoa de aprender. Aliás, coisa que repudiava era a falta de dedicação e, consequentemente, o insucesso. Apesar dele mesmo não ter sido sempre um parceiro da fortuna, seus próprios fracassos lhe ensinaram que, para conseguir as coisas que queria, somente com muito esforço e dedicação. Por isso que, independente da capacidade intelectual daquele com quem conversa, bastando que haja esforço por parte deste, se mostra sempre solícito para iniciar quantas vezes que fossem necessárias qualquer explicação.

Imagino que, neste caso, a arrogância seja justificada. Um homem deve se sentir melhor que os outros, porque, caso não se sinta, nunca poderá efetivamente sê-lo. Não pode deixar que o desrespeitem no core do que é ser um homem. Talvez a palavra certa a ser adotada aqui fosse altivez, mas imagino que, para a maioria dos medíocres, qualquer homem que tenha consciência da sua superioridade deva ser considerado um arrogante. A arrogância, diria eu, é a altivez sem sentido, infundada, é um rato querer passar por leão.

Sua grosseria foi impulsionada pela natureza extremamente sincera de seus relacionamentos. Mas nem sempre foi assim. Quando em meio a pessoas corruptas, oprimido, sua arrogância, mãe desta rudeza, o transformou em um fraco, e foi neste período que tivemos mais problemas. Mas, uma vez jogada a luz sobre as sombras que encobriam a verdade deste meio, insurgiu-se contra esta corrupção sem medo e largou de lado os velhos hábitos por ela ensinados. Optou, após, por sempre falar a verdade, não importando o quão grosseira ela fosse. Se a rudez e a grosseria andarem acompanhadas de uma estrita fidelidade a verdade, então imagino que não haja problema em ser rude e grosseiro.

No entanto, nunca virou as costas totalmente para ninguém. Sempre foi adepto da filosofia do perdão. E, tendo havido este, comportava-se como se nada tivesse acontecido antes. Até que lhe traíam a confiança de novo. No entanto, tem um grupo pequeno de amigos verdadeiros, que cultiva ardorosamente. Por estes amigos, faz o possível e o impossível, sempre oferecendo um ombro amigo e palavras de encorajamento. Imagino que tenha um coração tão grande que, mesmo falando algumas coisas sem pensar, dificilmente faria mal a uma mosca e, normalmente, quanto mais violento o comentário por ele proferido, mais provável que ele tenha sido o maior ofendido na história. Imagino que ele estenderia a mão a qualquer um que necessitasse de ajuda, mesmo que alegue que só faria isso aos que realmente merecessem.

Tem hábitos simples, este meu amigo. Toma sua cerveja, tem seus amigos, sente-se orgulhoso de quem é. Este orgulho provém de um misto de suas próprias conquistas individuais e de suas origens. O Orgulho neste caso é fundamental para que o homem confie em suas próprias atitudes e não deixe-se ser escravizado pelas suas paixões. Um homem escravizado pelas suas paixões é um derrotado. Mas nenhum homem deve ser tão orgulhoso de si mesmo a ponto de perder o "common sense" como disse Ruyard Kipling em "If".

Um homem deve ser, acima de tudo, orgulhoso de suas origens. Quem não sai aos seus é um monstro. Imagino que esse homem, provavelmente um resquício de um passado mais digno, deveria vencer em nossa sociedade, apesar de não crer que isso seja possível. Nossa sociedade é fraca e valoriza o fracassado, o problemático, o desencaixado. Consequência de nossa corrupção, onde todos os valores aristocráticos de honra e dignidade foram trocadas pelos valores dos medíocres. Onde todas as virtudes, republicanas ou morais, são motivo de deboche de uma cultura niilista que valoriza o impotente ao mesmo tempo que ensina o forte a pisoteá-lo. Esse meu amigo é um perdido na multidão, um atavismo que, infelizmente, a evolução não está disposta a acatar.

Vejo-me um pouco em seus olhos. Gosto do que vejo. Todo homem deve buscar o equilíbrio, mas a nenhum homem deve faltar o orgulho e a arrogância, em doses sutis, e a simplicidade, a misericórdia e a altivez. Não sei como as pessoas podem não concordar com isso. Talvez a massificação, a Democracia tenham feito isso. àqueles que não são iguais, que não são medíocres, que são melhores, a morte! Todo homem deveria ser um pouco helden, um pouco Cristo. Seus defeitos, eu os perdoo. É muito difícil encontrar as qualidades que atribuo a ele entre os homens de hoje em dia. Ele é um bom homem. Espero que ele ache o mesmo de mim.

Humanidade Latente

Defrontado com a ímpia possibilidade de ver-se livre daquilo, refutou. Porque não seria justo, porque não seria humano. O homem que não revê na última hora seus julgamentos, que não se indaga se o caminho que escolheu está de acordo com sua vontade, não é mais um homem.

Este primeiro parágrafo pode parecer contraditório em relação ao meu último texto. Mas meu último texto falava de um procedimento, de uma regra a ser adotada sempre. Certamente esta regra auxilia na tomada de decisões e na conquista de objetivos, mas ela é um meio e não um fim.

Quando nos dedicamos a algo, podemos sentir angústia devido as dificuldades que decorrem de tal busca, felicidade pela busca em si e diversos outros sentimentos relacionados. Estes são os pequenos fins que precedem um fim maior. A cada momento, o fim é como nós nos sentimos. Se morrêssemos a cada minuto ou hora e ressuscitássemos somente para viver mais um minuto, para usar uma contagem de tempo universal, poderíamos determinar se fomos felizes durante aquele curto espaço de tempo.

O teórico americano Terence McKenna sustentou uma tese de que a história era um círculo onde havia momentos de crise e de bonança. Tal círculo sempre se repetia e com o avançar dos séculos e, consequentemente, da tecnologia, o círculo iria se acelerando até que pudéssemos viver toda a história da humanidade em um dia. Para provar sua teoria, mostrou com a sequencia de crises que ocorreu no século XX era impensável no século X, por exemplo. Claro, poderíamos dar diversas outras explicações para isso, mas a teoria dele tem algo que vale. A prova de que momentos curtos de tempo podem ser a culminação de uma jornada transcendental que escapa a nossa racionalidade.

Quando, por exemplo, você percebe que deixou de gostar de alguém, parece que isso simplesmente aconteceu, mas não foi assim que de fato ocorreu. Sua mente passou por todo um processo de desassociação, não só químico, mas psicológico, e aí reside a transcendentalidade do fenômeno, que escapa a racionalidade humana. A psicologia é o estudo da capacidade de abstração inconsciente da mente humana. Da alma.

Quando falei de vontade no meu texto anterior, não defini exatamente o sentido da palavra. Eu não sabia qual sentido adotar. Até dei algumas pistas de associação nietzschiana, mas não foquei muito no assunto. Vou definir mais um pouco. Falo de uma vontade que combine essa vontade de potência do supracitado autor a arroubos de ponderação racional. Com isso já podemos definir melhor o objeto da primeira parte do texto.

A Humanidade Latente, o que é?

É difícil defini-la. Imaginem um ser humano moldado pela sua sociedade, que consome de ideologias a hambúrgueres e outras contemporaneidades escrotas. Esse ser humano é um lixo, como provarei no meu próximo texto. Quase não é humano. Claro que essa é uma definição subjetiva, mas se você discordar dela, também vou te achar um merda, mesmo que não fale. Este ser humano age mecanicamente segundo os preceitos estabelecidos pela sua sociedade acerca da forma que ele deve agir.

Vamos pegar um outro exemplo. Um nazista, num campo de concentração. Não preciso nem definir o que é um nazista. Escória da humanidade.

Vamos confrontar o primeiro exemplo com uma situação banal, uma criança pedindo esmola. Muito comum, infelizmente, na nossa realidade. Essa criança É invisível para nosso exemplo, um merda, moldado por uma sociedade de merda. No entanto, se esse merda um dia for tocado pela situação de hipossuficiência da criança e der uma esmola, que seja, eu garanto, ele é um dos melhores seres humanos existentes.

Agora o nazista. Os nazistas são o exemplo mais comum de maldade. Mas eu digo, se o nazista olhasse para um jovem judeu, para não pegar situações apelativas onde ele pudesse contracenar com crianças, idosos e mulheres, e sentisse misericórdia, ele seria espiritualmente perdoado pela Divindade. Pela Humanidade.

A Humanidade Latente é justamente isso. Só existe na ação, no momento. Sua abstração é infimamente pequena. No entanto, é justo ela que faz a maior diferença. Em dois sentidos. Ela mostra uma evolução do ser, que tendo sido jogado numa situação de desumanização, conseguiu encontrar em si forças suficientes para reverter os mecanismos que o transformavam numa máquina. E como toda a evolução, esse é um processo lento e que culmina na finalização de um momento temporal, como o minuto dito lá acima. Mostra que esse ser humano passou por todo um processo transcendental onde imperou sobre ele a vontade de fazer o que era de fato humano. Em outro sentido ela mostra uma conexão primal entre todos os seres humanos, a capacidade de amar.

Não digo que todos os seres humanos são iguais, pelo contrário. Acho que existem seres humanos melhores e piores. Mas todo ser humano ama, a princípio. Isso que destaca estes seres humanos entre todos. Quando estavam tendo sua capacidade de amar transformada a frangalhos, conseguiram se reerguer, vencendo a imposição da frieza procedimental que os impunha o comportamento errado que estavam por executar, ou já executando. Eles tiveram a capacidade de se reconectar a humanidade e ao mundo.

Nem todo ser humano faz parte da humanidade, no entanto. Não sei porque, mas somente alguns são parte dela. Não poucos, ou melhor, não sei. Só nesses momentos que impõem a necessidade de se fazer um julgamento demasiadamente humano, mesmo que no último momento de um processo já quase completamente executado, é que podemos julgar a humanidade de uma pessoa. E as humanidades se conectam, entre as pessoas.

Se você se defronta com um ser humano de verdade, sabe. Inclusive, no meu próximo texto, tratarei disso. Ele é sempre orgânico, até nas coisas mais banais.

A parábola do filho pródigo, tão educativa acerca do Amor Divino, deveria ser recontada como uma história de Humanidade Latente, não como foco no filho, mas com foco no pai, que tendo um filho que o abandonou e rejeitou, conseguiu amá-lo quando de seu regresso.

A Humanidade Latente é o Amor. A Humanidade, o que define o ser humano de verdade, é o Amor. E o Amor é Orgânico.
E tudo que é Orgânico é Divino.