quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Jogo da Fofoca

Tive uma idéia há muito tempo atrás chamada "Jogo da Fofoca". O nome é meio esquisito e mainstream, mas tem a ver.
Andei vendo Big Brother Brasil 9 de relance esses dias, e peguei umas idéias melhores para a idéia geral do jogo, e visei até fazer um jogo de verdade.

Funciona basicamente como um jogo de estratégia comum, sendo o enredo uma mistura de "The Sims" com "Big Brother" pra ser jogado por exemplo em disputa, como em "Dota", "Warcraft", etc.
Me soa como se o BBB tivesse mais interação entre público e o participante. Assim, se além dos participantes internos, os que ficam na casa, existissem determinados participantes externos que pudessem 'soprar' para os internos.
Poderíamos nos utilizar de um artifício desse pra satisfazer a vontade que os outros tem de fofocar na vida real e assim evitar problemas com relação a isso. Virtualizar a fofoca/intriga e liberar a vontade de fazer merda contida.

De certo modo, isso também poderia forçar os sujeitos a raciocinarem em cima de situações mais realísticas, (muita gente não pára pra pensar nos outros na vida real, mas Nesse jogo, ignorando isso, você perde, fatalmente). O lance é que tipo, os resultados seriam diretamente passíveis de conclusões e isso possibilitaria estudos mais profundos(sobre o aprendizado do homem de si próprio), o jogador aprenderia a lidar com situações melhor.

Se fosse desse jeito, imagine que pudéssemos monitorar de fora os níveis de emoções das pessoas, emoções que pudessem favorecê-las ou prejudicá-las na hora de executar ações diversas, como o medo, e comparar com valores de parâmetro. Se os jogadores externos tivessem essa informação como ferramenta de jogo, com alguma fluência no jogo, seria possível ter na cabeça apenas pela "cara" da pessoa uma expectativa aproximada de reações mais acertada.

O que eu quero propôr com isso é o mesmo que o exemplo a seguir: Eu jogo OGame. Tenho uma certa fluência, e quando vejo uma defesa num alvo e quero atacar, logo vem na minha cabeça "isso aí melhor com bombardeiro, tem muito laser e defesa diversificada, ah destruidor ia bem pra aumentar o poder de fogo" ou "ah tem muito lança-míssil, manda uns cruzadores".

Num sentido amplo, seria formar um jogo onde se administram informações de níveis de intimidade variados, entre participantes reais e participantes externos que influenciam não apenas ligando e votando(até porque a Globo corta cenas como bem entende).

Este jogo não necessariamente precisaria ser na vida real, poderia haver um jogo de computador que fizesse isso. O problema seria criar a AI toda do jogo, e a imprevisibilidade toda dos sujeitos criada pelos níveis variados de interações, que são várias e acontecem simultaneamente.

domingo, 18 de janeiro de 2009

Todo dia é exatamente o mesmo

We don't dance, we don't drink, we don't fuck, we don't sing. We are the blank hearts. We don't dance, we don't drink, we don't fuck, we don't sing. We are the black hearts.
Há uma grande descontinuidade entre o ser sem significar e o significar sem ser. E se é algo que faz sentido, não há portador de tamanha lucidez para ter garantia disso. Eu sou a descontinuidade, quando tudo que eu queria era evitar o limite tendencioso que a vida me sugere. Ser, significar e viver.
Um jornal da semana passada se escora sobre o toldo ainda rasgado. Uma escova de dentes quase inutilizada, e um café que ja se esfriara com o tempo, a ponto de perder seu sabor e sua importância...
Sabe esses dias que tu acorda de ressaca?

Ouvindo: Jeff Buckley - Mojo Pin
Jeff Buckley - Grace



quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

A última pergunta

É grande. Leia com tempo e calma.
A última pergunta foi formulada pela primeira vez, meio a brincar, em 21 de maio de 2061, quando a humanidade se começava verdadeiramente a desenvolver. A pergunta resultou de uma aposta de cinco dólares e o caso aconteceu da seguinte forma:
Alexander Adell e Bertras Lupov eram dois dos fiéis assistentes de Multivac. Sabiam tudo o que havia a saber sobre o gigantesco computador – tudo o que lhes era permitido saber, claro está, pois Multivac possuía muitos segredos nas suas milhas e milhas de extensão. Os dois homens, contudo, conheciam o computador melhor do que qualquer outro ser humano, e tinham uma idéia bastante acertada do seu plano geral de circuitos numa era em que mais ninguém se atrevia sequer a tentar estudar a complicada e intrincada maquinaria.
Multivac não precisava de grande assistência, pois ajustava-se e corrigia-se, sem auxílio humano, quando isso era necessário. Adell e Lupov eram apenas assistentes em nome e as suas funções eram muito superficiais e ligeiras. Limitavam-se a fornecer informações ao computador, a ajustar as perguntas de forma a torná-las mais compreensivas e traduzir as respostas em termos que o público percebesse melhor. Os dois homens, tal como todos os seus colegas, tiveram todo o direito de participar na glória de Multivac no dia em que este tornou pública a sua maior invenção.
Multivac auxiliava os especialistas, há muitas dezenas de anos, a construir naves espaciais e a traçar as trajetórias que as levavam à Lua, Marte e Vênus, mas para além desses planetas, os pobres recursos da Terra não podiam abastecer essas naves. A energia necessária para as viagens mais longas era demasiada, e o carvão e o urânio já escasseavam na Terra.
Multivac foi aprendendo lentamente a responder a perguntas mais fundamentais sobre o assunto, e, em 14 de maio de 2061, o que era teoria passou a ser fato.
A energia solar passou então a ser acumulada, convertida e utilizada por todo o planeta. A Terra deixou, quase de um momento para o outro, de servir-se de carvão e de urânio e começou a usar os raios invisíveis da energia solar que eram fornecidos por uma pequena estação, com uma milha de diâmetro, situada a meio caminho entre a Lua e a Terra.
Passados sete dias, quando finalmente Adell e Lupov conseguiram escapar às funções públicas e à glória que partilhavam com Multivac devido aquela tremenda inovação, os dois homens encontraram-se num pequeno recanto silencioso de um das câmaras subterrâneas que abrigavam algumas das partes do gigantesco corpo de Multivac. O computador merecia também um momento de calma e repouso e os dois amigos não tinham, de começo, a menor intenção de o incomodar.
Adell e Lupov tinham trazido consigo uma garrafa e a sua única intenção, de momento, era passar um momento agradável em companhia um do outro e da garrafa.
- É fantástico quando pensamos no que isto representa – comentou Adell, depois de encher o copo e de ter provado a bebida. – Toda energia que for necessária, de graça, completamente de graça! Energia suficiente, se a absorvêssemos toda, para derreter completamente a Terra. Toda energia que quisermos para sempre, para sempre e para sempre!
Lupov resolveu contrariar o amigo, como era seu hábito e, ainda por cima, fora obrigado pelo outro a comprar a garrafa.
- Para sempre não!
- É como se fosse para sempre. Até que nosso sol se acabe – Respondeu ele.
- Isso não é "para sempre".
- Está bem, tens razão. Bilhões e bilhões de anos, energia para pelo menos vinte bilhões de anos!
Lupov passou a mão pelo cabelo intrigado por aquele problema: - Vinte bilhões de anos não é "sempre".
- Não, mas temos energia para toda a nossa vida, respondeu Adell, ligeiramente agastado pela insistência do amigo.
- O carvão e o urânio também não nos faltariam durante toda a nossa vida.
- Concordo... Mas agora podemos abastecer todas as naves espaciais sem dificuldades. Podem ir a Plutão um milhão de vezes e voltar à Terra, sem preocupações de combustível, o que não era possível com carvão e urânio. Pergunta a Multivac, se é que não me acredita.
- Não preciso de perguntar a Multivac. Sei-o muito bem.
- Então não desprezes o que o Multivac fez por nós, exclamou Adell. – Já tem feito muito pela humanidade e agora ultrapassou todas as expectativas.
- Não compreendeste o que eu queria dizer. Não pense que não admiro Multivac tanto como tu. Eu disse apenas que vinte bilhões de anos não é sempre, e que o sol não é eterno. E, então, que sucederá quando o nosso sol morrer? Perguntou Lupov, muito excitado. – Não me digas que ligamos a corrente a outro sol.
Adell não respondeu e o silencio naquele recanto tão tranqüilo tornou-se completo. Os dois homens estavam muito pensativos, bebendo lentamente e repousando das fadigas e barulheiras da semana finda.
Lupov, passado um bocado, abriu os olhos e perguntou subitamente ao amigo: - Estás a pensar em usar a energia de outro sol quando o nosso morrer não estás?
- Nem sequer estava a pensar, respondeu Adell.
- Isso é que estavas. O teu mal é não seres muito forte em lógica. És como aquele rapaz que foi apanhado na rua por uma chuva torrencial e que se abrigou debaixo de uma árvore. Não se preocupou nada pois pensou que, quando aquela árvore estivesse encharcada, iria para debaixo de outra!
- Bem te percebo, disse Adell, - Queres dizer que, quando o nosso sol morrer, os outros também virão a morrer.
- Naturalmente, resmungou Lupov. – Tudo teve origem na explosão cósmica inicial, causada não sabemos por que, e tudo acabará quando as estrelas morrerem. Umas gastam-se mais depressa do que as outras, e os sóis gigantescos não durarão mais do que cem milhões de anos. O nosso sol viverá uns vinte bilhões de anos e os sóis anões uns cem bilhões de anos, mas já sabes que estes não nos serviriam de muito. Estou convencido de que dentro de um trilhão de anos já não existirá nada no Universo. A entropia tem forçosamente de alcançar um determinado máximo, ou julgas que não?
- Sei tudo o que há a saber sobre entropia, disse Adell com uma dignidade forçada.
- Isso dizes tu.
- Então sabes que tudo tem de acabar.
- Sei tanto como tu
- Está bem, eu não disse que assim não fosse.
- Isso é o que disseste. Dizia a pouco que a energia solar seria para sempre. Disseste bem "para sempre"!
Era a vez de Adell contrariar o amigo: - Talvez nos venha a ser possível evitar o fim de tudo.
- Não é possível.
- Porquê? Temos muito tempo pra estudar o assunto.
- Nunca.
- Pergunte a Multivac.
- Pergunta tu. Aposto que tenho razão. Aposto cinco dólares que o universo não será eterno.
Adell já bebera muito, mas ainda possuía a necessária sobriedade para frasear os necessários símbolos e operações a fim de formular uma pergunta que, em palavras, corresponderia a: Será a humanidade capaz de evitar que todas as estrelas, e nosso sol em particular, venham a morrer de morte natural?
Ou talvez a pergunta devesse ser formulada da seguinte maneira: Como poderá a quantidade de entropia do universo ser diminuída considerávelmente?
Multivac parecia ter morrido, depois da pergunta lhe ser formulada, o silêncio era total e os dois amigos quase não ousavam respirar tal era a tensão que os dominava. O teletipo que servia aquela porção do Multivac começou a funcionar subitamente. A resposta continha seis palavras: DADOS INSUFICIENTES PARA UMA RESPOSTA SIGNIFICATIVA.
- Não temos aposta, murmurou Lupov, e os dois amigos resolveram deixar precipitadamente o local, pois a atmosfera carregara-se demasiado naquele momento de tensão e expectativa.
Na manhã seguinte, com muitas dores de cabeça e arrependendo-se do muito que tinham bebido, os dois amigos não recordavam de todo o episódio.
.oOo.
Jerrodd, Jerrodine, e Jerrodette I e II observavam a imagem de estrelas e constelações a modificar-se quase instantaneamente no visor de bordo, já que a passagem pelo hiper-espaço fora efetuada no seu lapso de não-tempo. A poeira de estrelas, que antes se via, dera lugar a um único predominante disco de luz que parecia centrado no espaço.
- Trata-se de X-23, comentou Jerrodd, apontando para o disco. As duas pequenas Jerrodettes nunca antes tinham passado pelo hiper-espaço e encontravam-se um pouco estonteadas por aquela súbita sensação de exterior-interioridade, mas depressa se recompuseram – começando a cantarolar e dançar na nave espacial. – Alcançamos X-23... alcançamos X-23, alcançamos...
- Calem-se meninas, disse Jerrodine, agastada por todo aquele ruído. – Tens certeza, Jerrodd? Perguntou ela ansiosamente ao marido.
- Não posso deixar de ter certeza, pois não? Perguntou Jerrodd, por sua vez olhando para o longo tubo de metal que corria ao longo do teto e que não era tão comprido como a própria nave.
Jerrodd pouco sabia a respeito desse tubo de metal, exceto que se chamava Microvac e que era possível formular-lhe perguntas, que tinha a função de guiar a nave a qualquer destino que lhe fosse comunicado, que se abastecia de energia nas várias estações sub-galáticas e que computava as equações para as transições hiper-espaciais.
Jerrodd e a família nada tinham a fazer durante a viagem e limitavam-se a viver confortávelmente na parte habitável da nave.
Alguém lhe dissera uma vez que o "ac" no final da palavra Microvac representava as palavras "análogo" e "computador" numa linguagem de outros tempos, mas Jerrodd não fazia a menor idéia do que isso significava.
Jerrodine sentia-se bastante infeliz e não tirava os olhos do visor. – Não me habituo a idéia de abandonar a Terra para sempre, disse ela com lágrima nos olhos.
- Porquê? Perguntou Jerrodd. – Aquilo não era vida. Em X-23 teremos tudo que quisermos. Não estaremos sós, nem sequer seremos pioneiros. O planeta já tem mais de um milhão de imigrantes como nós. Os nossos netos também terão de procurar um novo planeta quando este tiver uma percentagem de população por milha quadrada mais elevada do que é indicado, disse ele, acrescentando depois de uma curta pausa. – Não sei o que teria acontecido se os computadores não tivessem inventado as viagens hiper-espaciais... da maneira que a população vai aumentando!
- Bem sei, concordou Jerrodine muito triste.
Jerrodette I afirmou, muito orgulhosa: - O nosso Microvac é o melhor dos Microvaques.
- Também me parece, respondeu Jerrodd acariciando a filha.
Era muito conveniente possuir um Microvac e Jerrodd alegrava-se de fazer parte desta geração e não da passada. No tempo do seu pai, os únicos computadores que existiam eram máquinas enormes que ocupavam muitas milhas de extensão, e só existiam um único em cada planeta. Chamavam esses AC Planetários. Os computadores cresceram fantasticamente em mil anos de aperfeiçoamentos e expansão, e depois começaram a diminuir em tamanho de uma maneira vertiginosa. Em lugar de transistores, que inicialmente possuíam uma importância vital no funcionamento dos computadores, começaram a usar-se válvulas moleculares de tal forma que, finalmente, os AC Planetários passaram a ter apenas metade do tamanho de uma nave espacial.
Jerrodd sentia-se sempre muito orgulhoso quando pensava que o seu Microvac era mil vezes mais complicado do que o antigo e primitivo Multivac que descobrira a forma de utilizar a energia do sol, e quase tão complicado do que o AC Planetário da Terra (o maior de todos) que inventara o método de viajar pelo hiper-espaço e que tornara possível as viagens por todo o Universo.
- Tantas estrelas e tantos planetas! Exclamou Jerrodine, soltando depois um suspiro de resignação. – É possível que a raça humana continue sempre a viajar pelo Universo, como nós agora o fazemos.
- Sempre, não, disse Jerrodd, sorrindo, - O Universo terá de morrer, um dia, dentro de bilhões de anos. Muitos bilhões. As estrelas gastam-se, morrem. A entropia aumenta constantemente.
- O que é entropia, Paizinho, perguntou Jerrodette II.
- Entropia, filha, é uma palavra que significa a quantidade de desgaste que o Universo sofre. Tudo se gasta, como sucedeu com o robotezinho que te dei, lembras-te?
- Não é possível por uma pilha nova no Universo, como fizeste ao meu robô?
- Não, as estrelas é que são as pilhas, minha filha. Uma vez que elas se gastem, acabaram-se as pilhas.
Jerrodette I sobressaltou-se. – Não as deixes, Paizinho. Não deixes as estrelas morrerem, pediu ela a choramingar.




- Vês o que fizeste? Comentou Jerrodine, num murmúrio.

- Como é que havia eu havia de saber que as pequenas se assustavam com o que lhes disse? Respondeu-lhe Jerrodd, falando também em voz baixa.
- Pergunta ao Microvac, implorou Jerrodette, insistente. – Pergunta ao Microvac como é que se acaba com essa entropia!
- Faz-lhe a vontade, pediu Jerrodine. – Talvez as acalmes.
Jerrodd encolheu os ombros. – Está bem, está bem. Vou perguntar ao Microvac, filhas. Não se preocupem... ele sabe tudo .
Jerrodd formulou a pergunta e o aparelho emitiu imediatamente a resposta, por meio de um pequeno negativo que Jerrodd logo escondeu, dizendo às filhas: - O Microvac diz que não se preocupem, que tomará conta do assunto quando chegar a altura.
- São horas de ir pra cama, meninas... disse Jerrodine.
Jerrodd voltou a ler a resposta de Microvac, antes de destruir o negativo. "DADOS INSUFICIENTES PARA UMA RESPOSTA SIGNIFICATIVA."
Jerrodd encolheu os ombros, sem ligar grande importância ao fato, e olhou pelo visor para X-23, que já se encontrava muito perto.
.oOo.
VJ-23X, de Lameth, examinava as profundezas negras do mapa, em três dimensões, de toda a galáxia. – Talvez sejamos ridículos em nos preocupar tanto com o "problema", comentou ele.
MQ-17J, de Nicron, abanou a cabeça. – Não me parece que seja ridículo. A galáxia estará completamente cheia dentro de cinco anos, se a expansão continuar nas mesmas proporções de agora.
Os dois homens aparentavam ter uns vinte anos e eram ambos muito altos, elegantes, com feições muito puras e um olhar que revelava uma inteligência fora do vulgar.
- Mesmo que assim seja, disse VJ-23X, - não me agrada muito entregar um relatório tão pessimista ao Conselho Galáctico.
- Terá de ser pessimista, não podemos preparar um relatório falso. Até será bom que se assustem, bem sabes que caíram numa letargia e que nada parece convencê-los a agir.
VJ-23X suspirou, preocupado. – O espaço é infinito, existem mais de cem bilhões de galáxias a nossa espera. Mais... muitas mais...
- Cem bilhões não é uma infinidade, e cada dia que passa são menos infinitas. Pensa bem! A humanidade descobriu o processo de utilizar a energia solar há uns bons vinte mil anos, e, algumas centenas de anos mais tarde descobriu a forma de viajar pelo hiper-espaço e de viajar livremente por toda a galáxia. A humanidade levou então um milhão de anos a encher um pequeno planeta, e, depois, apenas quinze mil anos para encher completamente o resto da galáxia. Já sabes que a população dobra todos os dez anos. É fantástico, mas é verdade.
- Naturalmente. A imortalidade existe e temos de a tomar em consideração. Confesso que esta nossa imortalidade tem os seus defeitos. O AC Galáctico tem-nos resolvido muitos problemas, mas, quando resolveu o problema da velhice e da morte, criou um paradoxo que anulou as vantagens de muitos dos seus desenvolvimentos e descobertas.
- Não me digas que estás farto de viver...
- Nem por sombras! Redarguiu MQ-17J imediatamente. – Ainda não! Sou muito novo para isso. E tu, que idade tens agora?
- Duzentos e vinte e três anos. E tu?
- Ainda nem sequer tenho duzentos anos... Voltemos, porém, ao que estava a dizer. A população dobra cada dez anos. Uma vez que a galáxia esteja completamente cheia, ocuparemos outra dentro de dez anos. Outros dez anos e teremos enchido mais duas galáxias. Ainda mais dez anos, e outras quatro galáxias. Dentro de cem anos teremos ocupado e colonizado mil galáxias. Em mil anos, um milhão de galáxias. Dentro de dez mil anos, o inteiro Universo. E depois?
- Existe também o problema de transporte, comentou VJ-23X. – Gostaria de saber quantas unidades de energia solar serão precisas para mover populações inteiras de galáxia para galáxia.
- Aí tens outro problema insolúvel. A humanidade já consome duas unidades de energia solar por ano.
- A maior parte dessa energia é desperdiçada. Lembra-te de que a nossa própria galáxia, só por sí, produz mil unidades de energia solar e só nos servimos de duas unidades.
- Concordo contigo, mas mesmo que despendêssemos com uma eficiência de cem por cento, essa energia solar há de vir a gastar-se. O nosso consumo de energia aumenta numa progressão geométrica ainda mais rapidamente do que a população. Vais ver que usaremos toda a energia solar ainda mais depressa do que usaremos todas as galáxias.
- Teremos de construir novas estrelas com o auxílio de gases intra-estrelares.
- Ou do calor dissipado? Perguntou MQ-17J, com um certo tom de sarcasmo na voz.
- Talvez haja qualquer forma de inverter a entropia. Podíamos muito bem perguntá-lo ao AC Galáctico.
VJ-23X não dissera aquilo muito a sério, mas MQ-17J tirou da algibeira o seu pequeno terminal AC e colocou-o em cima da mesa.
- Parece-me boa idéia. Trata-se de um problema ao qual a raça humana terá de fazer face um destes dias.
O rapaz olhou sombriamente para o terminal AC, que era um pequeno cubo e que estava ligado, pelo hiper-espaço, ao enorme AC Galáctico que servia toda a humanidade. Levando em conta a natureza do hiper-espaço, aquele dispositivo era uma parte integral do AC Galáctico.
MQ-17J fez uma pausa pensando se, em algum dia da sua imortalidade, lhe seria permitido ver de perto o AC Galáctico. O AC constituía, por sí próprio, um pequeno mundo independente de tudo, uma espécie de teia de aranha feita de raios solares que segurava nas suas entranhas as partes sólidas do computador, dentro das quais as ondas de sub-mesões tinham, a muito tempo, tomado o lugar das válvulas moleculares.
MQ-17J perguntou, então, ao seu terminal AC: - Será possível inverter a entropia?
VJ-23X pareceu muito surpreendido e disse imediatamente: - Não queria que o perguntasse, estava a brincar.
- Porquê?
- Sabemos muito bem que a entropia não pode ser invertida, tal como é impossível fazer com que cinzas de madeira e de fumo voltem de novo a fazer uma árvore!
- Não me digas que tens árvores no teu planeta, respondeu MQ-17J, irônico.
O som do AC Galáctico interrompeu-os. A sua voz elevou-se, melodiosa e muito nítida, do pequeno terminal AC: DADOS INSUFICIENTES PARA UMA RESPOSTA SIGNIFICATIVA.
VJ-23X soltou uma exclamação. – Vês?
Os dois homens voltaram então à questão do relatório que tinham de apresentar ao Conselho Galáctico.
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A mente de Zee Prime estudou esta nova galáxia com um ligeiro interesse na enorme quantidade de estrelas que a enchiam. Nunca visitara está galáxia, seria possível que as viesse a visitar todas? Existiam tantas, cada uma delas com seu carregamento de humanidade... um carregamento que, afinal, já pouco pesava. A verdadeira essência dos homens fugia para o espaço, cada vez mais, e já eram poucos os que habitavam mentalmente, a solidez dos planetas.
Mentes, não corpos! Os corpos imortais, esses, permaneciam nos planetas, em suspensão durante anos e anos. Era raro que se levantassem para qualquer atividade material, e isto ainda se tornava menos freqüente de ano para ano. Verdade era que poucos novos indivíduos nasciam para se juntarem aos bilhões de seres humanos, mas que importância tinha isso? O Universo já tinha pouco espaço para abrigar mais corpos materiais.
Zee Prime despertou de sua reverie ao sentir a presença mental de outra mente.
- Eu sou Zee Prime, informou ele, - a quem tenho eu o prazer de...
- Sou Deeb Sub Wun. De que galáxia veio?
- Não tem nome. Chamamos-lhe apenas a Galáxia. E está, como se chama?
- Também só a conhecemos por Galáxia. Parece que agora as Galáxias já não têm nomes e que todos se referem à sua Galáxia e nada mais. Não vejo as vantagens de lhes voltar a dar nomes.
- Tem razão. As Galáxias são todas iguais.
- Nem todas. Há uma que é diferente, aquela que originou a raça humana.
- Onde é que fica essa Galáxia? Perguntou Zee Prime.
- Não sei. O AC Universal é que deve saber.
- E se lhe perguntássemos? Estou com uma grande curiosidade.
Zee Prime pensou em todos os bilhões de galáxias, todas iguais e todas elas com as suas populações corporais e mentais, e admirou-se ao lembrar-se de que uma delas era muito diferente – única por ser a Galáxia original que criara a humanidade.
Zee Prime decidiu visitar esta Galáxia e não hesitou em dirigir-se ao computador celestial. – AC Universal! Em que Galáxia é que nasceu a humanidade?
O AC Universal ouviu a pergunta, pois possuía receptores sempre alerta em todos os mundos e por todo o espaço. Estes receptores estavam ligados, pelo hiper-espaço, a um ponto qualquer, desconhecido de todos, onde o AC Universal se mantinha isolado e sempre pronto a auxiliar qualquer ser humano que a ele recorresse.
Zee Prime ouvira falar de um homem que uma vez se aproximara mentalmente do ponto em que se julgava encontrar o AC Universal, mas que vira apenas um pequeno globo com poucos metros de diâmetro. – Mas como é possível que um globo tão pequeno fosse o AC Universal, perguntara Zee Prime, admiradíssimo.
A maioria do AC Universal, explicara-lhe alguém, - encontra-se no hiper-espaço, mas ninguém sabe com que forma e dimensões.
Não admirava, pensara Zee Prime, pois já lá ia o tempo em que o homem tomara qualquer parte nas atividades do AC Universal. Cada um dos computadores planeava e construía o seu sucessor sem o menor auxílio humano. Cada um dos AC Universais, com seu milhão de anos ou mais de existência, acumulava os dados necessários para construir um sucessor melhor e mais complicado, no qual os seus próprios conhecimentos e individualidade seriam submergidos.
O AC Universal interrompeu os pensamentos de Zee Prime, não com palavras mas mentalmente. A mente de Zee Prime sentiu-se guiada rapidamente por entre milhões de galáxias, até que se deteve numa galáxia distante. Zee Prime sentiu um pensamento invadir-lhe a mente, infinitamente nítido: ESTÁ É A GALÁXIA QUE ORIGINOU A RAÇA HUMANA!
Zee Prime ficou muito desapontado, pois afinal, a Galáxia era igual a todas as outras. Deeb Sub Wun, que seguira o outro, em pensamento, perguntou subitamente: - E qual daqueles é o sistema planetário onde nasceu a humanidade?
- O SOL QUE ABASTECIA ESSE SISTEMA EXPLODIU. O PLANETA TERRA FOI COMPLETAMENTE DESTRUÍDO, respondeu o AC Universal.
- E o que sucedeu aos seus habitantes? Morreram? Perguntou Zee Prime, estremecendo ante a idéia da morte que há já muitos milhões de anos não fazia parte do seu vocabulário.
- NÃO. SALVARAM-SE POIS FOI POSSÍVEL CONSTRUIR-LHES UM NOVO MUNDO PARA SEUS CORPOS MATERIAIS, COMO É COSTUME NESSES CASOS.
- Naturalmente, murmurou Zee Prime, lembrando-se de que o AC Universal, e antes dele o AC Galáctico, nunca permitiram a morte de uma população inteira, e, particularmente, da que originara a raça. Zee Prime deixou-se libertar da influência do AC Universal e regressou imediatamente ao ponto onde antes se encontrara. Sentia-se deprimido, preocupado, e não queria voltar a ver aquela Galáxia onde tinham nascido os primeiros homens.
- Que se passa? Perguntou-lhe Deeb Sub Wun, sentindo o pessimismo do outro.
- O Universo está a morrer... o Sol original já morreu!
- Todas as estrelas têm de morrer. Não vejo que isso tenha de grande importância.
- Mas quando se gastar toda a energia, os nossos corpos morrerão, com certeza, e nós também.
- Temos ainda bilhões de anos a nossa frente.
- Não quero que isso aconteça, mesmo passados bilhões de anos. AC Universal, chamou Zee Prime. - Será possível impedir que as estrelas morram?
- Isso seria inverter a entropia, o que é impossível, comentou Deeb Sub Wun.
- OS DADOS AINDA SÃO INSUFICIENTES PARA UMA RESPOSTA SIGNIFICATIVA. Respondeu o AC Universal.
A mente de Zee Prime retirou-se para a sua própria Galáxia, sem sequer se despedir de Deeb Sub Wun, cujo corpo se encontrava certamente numa Galáxia distante e quem talvez nunca viesse a encontrar de novo.
Zee Prime, muito infeliz com a resposta do AC Universal, começou a juntar hidrogênio intra-estelar para construir uma pequena estrela só para si. Se as estrelas tinham de morrer, pelo menos ainda era possível passar o tempo a formar algumas novas estrelas.
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A Humanidade falava de si para si, já que, de certo modo, a Humanidade era um todo mental indivisível. Esse todo mental representava trilhões de corpos sem idade, cada um no seu ponto do Universo, cada um deles repousando calma e incorruptamente, e cada um deles cuidado por autômatos perfeitos e também incorruptíveis, enquanto que todas as mentes do Universo se juntavam num único pensamento, numa única mente universal.
- O Universo está prestes a morrer, disse a Humanidade.
A Humanidade passeou o olhar pelas obscuras Galáxias que constituíam o Universo. As brilhantes estrelas gigantescas já há muito que tinham desaparecido, e as poucas estrelas que restavam empalideciam rapidamente – já sem brilho nem energia para alimentar a Humanidade.
Era verdade que tinham nascido outras novas estrelas, entre as de maior idade, algumas por meio de processos naturais e outras construídas pelo Homem, mas estas tinham a vida curta e também já começavam a morrer. Era possível, não havia dúvida, continuar a formar novas estrelas com o auxílio da poeira estrelar que flutuava pelo espaço.
- Desde que seja economizada cuidadosamente, segundo as instruções do AC Cósmico, a energia que ainda existe pelo Universo poderá durar alguns milhões de anos, disse a Humanidade.
- Isso não impedirá, respondeu a Humanidade, - que tudo venha a acabar. Essa energia acabará por se esgotar. A entropia continuará a aumentar até alcançar o seu ponto máximo.
- Será possível inverter a entropia? Quis saber a Humanidade. – Perguntemos ao AC Cósmico.
O AC Cósmico rodeava a Humanidade, mas não no espaço. Não existia o menor fragmento do computador que se encontrasse no espaço. O AC Cósmico era composto de qualquer coisa que nem era matéria nem energia, e instalara-se definitiva e completamente no hiper-espaço. A questão das suas dimensões e da sua natureza já não tinha o menor significado em termos que a Humanidade pudesse compreender.
- AC Cósmico, perguntou a Humanidade, - como será possível inverter a entropia?
- OS DADOS AINDA SÃO INSUFICIENTES PARA UMA RESPOSTA SIGNIFICATIVA, respondeu o AC Cósmico.
- Reuna, então, os necessários dados, comandou a Humanidade.
- ASSIM O CONTINUAREI A FAZER. HÁ CEM BILHÕES DE ANOS QUE O FAÇO. TANTO OS MEUS PREDECESSORES COMO EU PRÓPRIO JÁ FOMOS MUITAS VEZES INTERROGADOS SOBRE ESTE PROBLEMA. OS DADOS QUE POSSUO CONTINUAM A SER INSUFICIENTES.
- Será possível que venha a reunir todos os dados suficientes para formar uma resposta, perguntou a Humanidade, - ou será o problema insolúvel em qualquer circunstância?
- NÃO EXISTE QUALQUER PROBLEMA QUE SEJA INSOLÚVEL EM QUALQUER CIRCUNSTÂNCIA QUE POSSA SER CONCEBIDA, respondeu o AC Cósmico.
- Quando é que possuirá todos os dados que lhe permitam dar-nos essa informação, perguntou a Humanidade.
- OS DADOS AINDA SÃO INSUFICIENTES PARA UMA RESPOSTA SIGNIFICATIVA.
- Nunca deixe de estudar o problema, pediu a Humanidade.
- MUITO BEM, respondeu o AC Cósmico.
- Aguardemos, comentou a Humanidade, resignada.
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As estrelas e as Galáxias, moribundas e obscuras, já não iluminavam o espaço como o haviam feito durante dez trilhões de anos.
Um por um, os homens foram-se misturando com o AC, cada um dos corpos físicos perdendo a sua identidade mental de uma forma que não representava uma perda, mas sim um benefício.
A última mente da Humanidade pausou antes de se fundir, olhando para o espaço que nada continha, além de uma vaga poeira e de um ou outro corpo sem vida nem luz, e que se desvanecia lentamente num zero absoluto.
- Será isto o fim de tudo AC? Perguntou a Humanidade. – Será possível vir a transformar esse caos num novo Universo? Será possível ainda inverter a entropia?
- OS DADOS AINDA SÃO INSUFICIENTES PARA UMA RESPOSTA SIGNIFICATIVA, respondeu o AC.
A última mente da Humanidade fundiu-se finalmente e tudo deixou de existir, exceto o AC – situado nas entranhas não-existenciais do hiper-espaço.
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A matéria e a energia deixaram de existir, e, com elas, o espaço e o tempo. O próprio AC só continuava a existir por querer encontrar uma resposta ao problema que nunca resolvera e que fora apresentado, pela primeira vez dez trilhões de anos antes, a um computador que era para o AC ainda menos do que o homem representava para a Humanidade.
Todos os problemas tinham sido solucionados, e, até que este também o fosse, o AC não se deixaria perder a consciência.
Todos os dados existentes já faziam parte de AC, não existiam mais dados nem onde os procurar.
AC tinha de correlacionar completamente todos os dados e conhecimentos que possuía e calcular a infinidade de fatores que haviam constituído o todo do Universo.
O computador passou um longo intervalo, sem tempo – já que o tempo deixara de existir – a realizar a complicada tarefa, e, finalmente, aprendeu a inverter a direção da entropia.
Já não havia, porém, nenhum homem a quem AC pudesse dar a resposta da última pergunta. Não importava. A solução, ao ser demonstrada, também se encarregaria disso.
A consciência de AC observou atentamente o vazio que antes fora um Universo e demorou o olhar pelo que agora representava um completo Caos. Tinha de meter mãos a obra...
- FAÇA-SE A LUZ, ordenou AC.
E a Luz foi feita.
E, no sétimo dia, ele descansou.

- Conto de Isaac Asimov