terça-feira, 30 de agosto de 2011

Prévia.

Terminei de ler hoje a magnífica obra de Alexis de Tocqueville, "L'Ancien Régime e La Révolution". O livro impressionará a todos os brasileiros que lhe derem uma chance pela contemporaneidade de suas críticas. Ainda que escritas na França do século XIX, relatando fatos de seu passado recente, é com amargor que podemos sem dificuldade transpor estas palavras para nosso tempo e usá-las para descrever nosso país.

Poderia certamente pedir-lhes que lessem o Livro II, que trata da administração pública da França pré- e pós-revolucionária. O argumento de Tocqueville neste capítulo é de que não houve nenhuma real mudança nesta área entre estes períodos de tempo no país, mostrando que a dita "grande conquista da revolução" teria sido, na verdade, criada durante o Antigo Regime.

Mas, só para exemplificar, vou copiar algumas partes para que vocês julguem se a minha impressão de que a obra é tão atual para os brasileiros do século XXI quanto era para os franceses do século XIX é verdadeira ou não:

"Ninguém imagina que possa levar a bom termo um assunto importante se o Estado não se imiscuir. Mesmo os agricultores, pessoas geralmente muito avessas aos preceitos, são levados a crer que, se a agricultura não se aperfeiçoa, a culpa é principalmente do governo, que não lhes dá bastantes conselhos nem auxílio suficiente [...]"

"Aos olhos da maioria, o governo é o único que ainda pode garantir a ordem pública: o povo só tem medo da polícia; os proprietários só tem nela alguma confiança. [...]"

"Tendo o governo assim tomado o lugar da Providência, é natural que cada qual o invoque em suas urgências particulares. Por isso encontramos um número imenso de requerimentos que, sempre se fundamentando no interesse público, dizem respeito entretanto a pequenos interesses privados [...]"

E então, lhes soa familiar?

sábado, 27 de agosto de 2011

Opinião sobre Arte - I

Já aviso a todos aqueles que quiserem me contestar que não visitei nenhuma exposição do Tim Burton até hoje e, inclusive, digo que o Burton é mero pretexto para tratarmos de um tema mais problemático, que tem atormentado minha mente cada vez mais constantemente nos últimos meses. O que é Arte?

Poderia começar aqui como classicamente se começa textos deste gênero, com a origem latina da palavra e blá-blá-blá. Não dou a mínima importância para a palavra Ars, a não ser que ela atenda meus interesses de deformar seu sentido amplamente. Mesmo porque, convenhamos, a Arte sempre existiu e nem sempre se chamou Arte.

A Arte, em minha limitada capacidade de conceituar, é a expressão mais pura do Alma Humana, mais violenta de nossa infinita húbris e mais altiva do nosso Desejo. A Arte é nossa vontade de nos tornarmos Deuses elevada a enésima potência, ou pelo menos de sermos notados na multidão. É a expressão mais pura da individualidade. E por isso mesmo é a única parte do homem, a única liberdade, que merece nossa vida e nosso sangue. É a Liberdade de Expressão em sua forma ulterior. Como diria Voltaire: Não concordo com porra nenhuma que você disse, mas saio na porrada se alguém não te deixar falar.

Mas tem sempre alguém querendo dizer que alguma coisa é, ou não é, arte. Eu sempre prefiro advogar do lado otimista. Tudo é Arte porque eu não sei o que é Arte em sua essência. E talvez a Arte não tenha uma essência em si, mas assim como o mundo é obra da mente divina, talvez a arte seja mera obra de nossa mente, e só exista dentro de seu próprio conceito e não como parte de um conceito maior. Um quadro de Picasso não faria parte de uma definição ampla do que é Arte, mas faria parte da definição “Quadro de Picasso tal”, sei lá, “Guernica”. Ou a Arte sendo mera expressão da Alma e a Alma como essência da Arte. Ai, que vida difícil para um platonista...

Mas imagino que Platão tenha tido muito menos problemas para definir o que é Arte. Na época dele, e na classe dele, Arte era um conceito muito mais específico. Daí era fácil você dizer coisas como “a arte é a expressão mais pura da beleza”. Por que? Porque a arte naquela época, e, veja bem, a definição do que é Arte está intrinsecamente ligada a quem tem o poder para determiná-la como tal, como um Platão, um nobre, ou um filósofo reconhecido, já era o que foi, e é até hoje, para a cultura ocidental, o conceito de arte: Simétrica, em busca da Perfeição, Realista, enfim Apolínea.

Aí vem um bando de historiador revoltado falar que, “ah, não, e a arte popular? Você ta se esquecendo da arte popular!” Mas não se podia determinar a arte (To cansado de colocar em letra maiúscula, não é preconceito classista não) popular como arte naquela época, porque as cabeças eram primitivas e aristocráticas em quesitos onde não deveriam ser. Mesmo hoje, eu, superliberal com essas paradas de arte, ainda adoto o termo apolíneo para arte das classes mais altas, que define o que o homem médio político ocidental considera como arte, mesmo que seja porque esta determinação veio das classes mais poderosas, algo como reflexo da sociedade de consumo de Baudrillard, onde os mais poderosos estabelecem o comportamento de um mais poderoso e as pessoas que almejam este posto o segue, e dionisíaco para a das classes mais baixas.

Mas hoje, graças a Deus, a Liberdade de Expressão é garantida em quase todo o mundo e onde não é, fazem com que seja, a força. Mas a arte, se pararmos para pensar, já não vivia mais sob esse regime de falta de liberdade, porque os autores das obras íam lá e arriscavam a vida mesmo, estilo Rushdie, que foi lá e lançou os “Versos Satânicos” e tá ameaçado de morte até hoje. Enfim, hoje você tem a arte popular sendo arte popular e não só demonstração cultural de camada inferior, mesmo porque você tem o conceito de cultura popular, que não existia antes. Tem até muito historiador aí, totalmente opostos àqueles, que se debatia até pouco tempo quando ouvia a expressão. Mas agora a situação é mais pacificada.

Mas as distinções permanecem, não nos enganemos. Existe ainda uma diferença da Upper Art pra Lower Art. E aí você entra em uma questão mais complexa, algo como um duelo entre a pop art e a arte clássica. E aí fica claro esse vínculo com toda essa bobagem que eu escrevi até aqui. De um lado você tem o Tim Burton, um renomado Diretor Cinematográfico, escritor, desenhista, pintor, enfim, um artista, senão completo, muito próximo disso. E do outro você tem Picasso, pintor renomado, gênio do Cubismo e blá-blá-blá. Não minorando Picasso nem pagando de pseudo-cult/ Tim Burton Lover, só pra facilitar o texto.

Ontem eu, durante um jantar com uns amigos, tive um duelo extenuante, na qual não consegui provar meus pontos, acerca da falta de capacidade técnica de Tim Burton frente a Pablo Picasso. Hoje pela manhã, revoltei-me contra minha própria incapacidade de organizar meu pensamento logicamente e fazer com que ele fosse entendido, e escrevi um e-mail aos meus amigos, que me inspirou este texto aqui.

Defendi que Picasso tinha muito mais domínio da técnica tradicional de pintura, e por técnica tradicional de pintura falo daquela criada na Renascença, onde a pintura por vezes tinha um conceito muito mais técnico do que artístico por trás, do que o Burton. E isso não torna o Burton menos artista que Picasso. Sou um baluarte da concepção de que arte é toda expressão da criatividade humana, não poderia me contradizer neste sentido.

E Burton é mais artista porque, sim, ele domina mais formas de arte, técnicas de arte. Mas ele não domina as técnicas de pintura clássica, mesmo porque, graças a Deus, a arte se tornou cada vez menos uma coisa de especialistas e cada vez mais uma coisa humana. Isso, no entanto, não altera minha opinião sobre Picasso ter muito mais técnica como pintor. A questão é que a palavra técnica tem dois conceitos que às vezes são confundidos. Se por um lado técnica significa a forma como as coisas são feitas, por outro significa uma convenção, e por convenção que não entendam verdade absoluta, mas acordo entre pessoas, sobre como seria o jeito certo de fazer as coisas. Neste caso todos devem concordar comigo que Burton tem menos técnica que Picasso. E só podemos provar isso porque Picasso, certa vez, fez um quadro cheio de técnica, para os críticos, mas sem vida, e ficou conhecido depois que rompeu com os paradigmas da técnica, e o Burton nunca fez isso, adotando sempre uma postura de quebrar parâmetros. Desde a infância.

Por isso durante o jantar sustentei que a exposição de Burton tinha muito mais a ver com a construção de uma personalidade do que com a construção de um corpo artístico, que envolveria passar por experimentalismos MUITO diversos (como Picasso fez sempre), o que não torna a exposição dele menos artística, ou menos brilhante. Pelo contrário, a torna muito mais fascinante, porque traz o artista pra perto da gente.

Quem somos nós para determinar quem é melhor artista de uma forma geral? Para uma pessoa, Burton pode ser melhor que Picasso, como é para mim, mas para outra não, e não há escola, faculdade, Deus, que possa dizer objetivamente quem é melhor. Arte é a expressão mais pura da alma humana, como já disse, logo não pode ser medida por parâmetros técnicos.

Nem o próprio fato do Burton ter estudado sei lá aonde garante a ele mais autoridade como artista ou a qualquer um para determinar o que é arte. As alegações de um dos meus amigos sempre rodavam em volta desta argumentação da escola, que a escola fazia o artista. Só prova que a pessoa tem mais talento que o ser humano médio e quis procurar saber mais técnicas, para se aperfeiçoar. É como um curso de retórica. Você faz para se melhorar, para descobrir coisas que te ajudem a melhor expressar seus sentimentos.

Mesmo porque temos que avaliar que a escola dele (digo a faculdade onde ele estudou) provavelmente não deu pra ele esta base de Técnica Clássica de Pintura, o que eu afirmei como técnica, admito, com veemência ontem, se ele não a buscou. Ele pode ter tido aulas de desenho clássico, de observação da natureza, de todas essas coisas para fazer da arte dele o mais realista possível, mesmo que ele as tenha desprezado depois, mas ele não teve, ou não mostrou ter, essa cadeira de Técnica Clássica de Pintura, que é, basicamente, emular o que os grandes mestres da Renascença fizeram. Não que eu ache isso certo, nem nada, mas quando o ser humano médio, e mesmo o artista, e me arrisco a dizer, o artista ainda mais, pensa em pintura, pensa imediatamente em Botticelli, Michelangelo, Van Eyck, Dürer, essa galera dos cinqueccentos, quatroccentos, sei lá mais quando ccentos. É inerente. É a época onde a arte foi mais tecnicizada, onde ela foi encomendada, onde se transformou em produto. E mais que isso. Ao remeter ao classicismo, esses caras atendiam um anseio tipicamente ocidental: A busca pelo apolíneo, pelo perfeito, pelo simétrico. É a mesma coisa com música. Se Michelangelo aceitava encomendas, Mozart também. E isso não faz de Mozart melhor que Kurt Cobain como artista. Só era mais técnico, porque ele atingia mais notas, mais rápido e com mais noção de harmonia. É a mesma coisa que comparar Kamelot e Foo Fighters. Kamelot é muito mais técnico, mas não é necessariamente melhor. É melhor pra alguns, pior para outros.

É o que eu digo: Quem quer uma verdade universal tinha que ir pra Igreja Evangélica. Nem a Igreja Católica promete uma verdade sem dúvidas. E em artes mais ainda, porque os homens são diferentes, graças a Deus, e a arte só pode ser diferente, e o dia que uma parada for hors concours como Michelangelo, a parada vai ser chata. Eu admiro Michelangelo, mas não tá nem entre meus cinco pintores favoritos. Pelo contrário. Acho ele chato. Prefiro El Greco. E aposto que o Tim Burton também.