domingo, 16 de agosto de 2015

Impreciso

Aonde quer que eu vá
Tudo o que ouço é minha mente dizendo
"Isto é impreciso"

Se as palavras são imprecisas, insossas, e incapazes por si só
Que dirá você as ajudando nisso

domingo, 9 de agosto de 2015

Teoria do Amor

"Não esqueça das pessoas que você ama; apenas não lembre delas. Não há memória no presente."

Muitas falas se compartilham agora, e de uns anos pra cá parece que todo mundo ficou meio new age, meio espiritual; deve ser a era de aquário. Eu ouço tanta gente falando em ficar no presente, gente falando de relacionamento, de liberdade. Mas o que vejo não é gente no presente, mas gente que parece ou que acha que está no presente, e estive incluso nisso.

O que isso tem a ver com amor? As pessoas realmente sabem do que estão falando quando falam estas frases? Se elas sabem, estão então vivendo com o que sabem ao seu máximo potencial?

Sempre que topamos com uma pessoa com a qual compartilhamos experiências, ligamos nossas memórias e lembranças com essas pessoa e agimos por meio destas para com ela, de algum modo. É claro que quanto mais tempo passamos com essas pessoas mais  engessado pode ser isto, por exemplo nossa família, os pares românticos, os amigos de longa data.

No entanto, no momento em que isto acontece, estamos objetificando estas mesmas pessoas que nós dizemos amar. Será isso amor mesmo?

Nós temos por comportamento padrão tratar as pessoas por meio de uma identidade percebida delas, esta que é uma soma de impressões anteriores desta pessoa conectadas por uma lógica de previsibilidade, controle - enfim, medo do desconhecido e incontrolável - pela nossa mente. Este comportamento mental é o mesmo que põe as pessoas em caixinhas: esta pessoa é assim, esta é assado.

Não só é um mecanismo de previsão, como também  um de organização mental por meio do qual é possível criar expectativas e agir de acordo com estas.  A criação de expectativas é exatamente aquilo que provoca a decepção - a dor de conhecer uma verdade outra diferente da que gostaríamos que fosse, que agora sabemos ser mentira. Ela é também parte de um mecanismo maior: o mecanismo de projeção.

A idéia do nome projeção vem de se projetar no outro, como se fosse possível viver através do outro. Como um projetor de filme mesmo, um que projeta telas mentais em pessoas-anteparos. O conceito é simples, mas leva um tempo para explicar: quando eu digo que você é bonito, você tem a opção de tratar os meus dizeres enquanto verdade ou enquanto dizeres. Se você é de fato bonito, quando eu digo para você que você é bonito, eu apenas estou lhe informando a verdade que você já sabe. Caso contrário, eu apenas estou dizendo uma mentira. De qualquer modo, o que eu digo é completamente irrelevante, a não ser que seja algo que você não sabe. E você não pode não saber algo sobre você que outro saiba - a não ser que você escolha ignorar ou jogar debaixo do tapete, casos nos quais este texto se torna irrelevante - neste caso é preciso de um psicólogo, isto é, um profissional que lhe ajude a fazer a si mesmo perguntas as quais você não seria capaz ou não ousaria fazer, afim de encontrar as respostas que precisa. (Vale lembrar que o psicólogo não sabe mais de você que você; nem poderia. Ele apenas o usa para ajudá-lo em se esclarecer.)

O que 99% das pessoas fazem é tirar o foco do fato (neste caso, o fato de você ser bonito) e colocar o foco no dizer (na fala "você é bonito") - isto é, você deixa de perceber o fato para perceber a aparência do fato, o que se fala do fato. Quando você faz isso, você dá à pessoa que diz que você é bonito o poder de decidir sobre a sua verdade - ou melhor, você deixou de entender a verdade como aquilo que reside nos fatos, para, ao invés disso, no que se fala dos fatos.

E então, quando esta pessoa resolver disser que você é feio, você estará triste, puto, indignado, ou qualquer coisa que seja. Otário.

Mas olhe ao seu redor, olhe as pessoas, veja o que passa na TV, e você perceberá que tudo não passa disso. O que importa para a maioria das pessoas não é o que É - é o que PARECE ser.

O que as pessoas falam pode até ser constatação do seu Eu real, mas no momento em que você se apega aos elogios ou aos xingamentos,  você cria um Ego, um eu falso, essa identidade percebida de que eu falo. Você também não pode negar a coisa - se a pessoa vai lá falar que a música que você acabou de gravar está "liiinda maravilhoooosa melhor do mundo", não adianta você negar isso, ou ficar dizendo para si que não vai escutar nada do que a pessoa diz. Toda negação de uma lógica usa esta lógica para negá-la, o que a reafirma. O máximo que você pode fazer é ser indiferente à aparência, e ser focado na coisa, naquilo que é real.

Então o que essa pessoa diz não deveria lhe alterar em nada, no máximo te ajudar a constatar que você estava certo sobre as escolhas para a música, e sobre o fato de que ela é boa. Mas isso é apenas a constatação, não há um julgamento, não há uma valoração. Não é possível verdadeiramente valorizar nem desvalorizar nada, só você pode escolher criar essa possibilidade mentalmente. O fato vai permanecer exatamente do jeito que ele é e sempre foi.

No momento em que você passa a existir nos olhos da sua namorada, você cessa sua existência, e passa a viver através do eu irreal criado pela impressão que sua namorada tem de você. Se ela diz para você que você é inteligente, você pode reagir de maneira neutra, agradecendo por educação mas não-ligando para aquilo; ou você pode se debulhar em lágrimas pois nunca ouviu um elogio daqueles. E nesse momento você ironicamente se coloca num lugar de não-"inteligente" (ou qualquer qualidade declarada) - pois é como se você viesse de um lugar aonde não era inteligente, e então, devido ao elogio, passou a ser.

Você deixa de ser o que você é de verdade (um ser humano) para ser uma identidade (um conjunto de qualidades e regras declaradas para representação dessas qualidades) no momento em que cai na lógica das projeções. Ao invés de abraçar e aceitar a verdade, você vai procurá-la nos outros, procurar reinventá-la e para isso precisará da aprovação e da validação deles, pois você deu a eles o poder de ditar a sua realidade quando caiu nessa lógica - e em troca, provavelmente eles darão a você esse poder também. Na tentativa de obter mais elogios e validação para sua realidade desejada obter o estatuto de crível, você vai querer agir conforme as expectativas dos outros, e em troca, vai querer que as pessoas ajam conforme as suas expectativas. Estabelece-se assim a lógica de escravidão e exploração mútua que é a base da nossa sociedade vampirizadora.

Você pode ser escravo tanto das expectativas dos outros sobre você quanto das suas expectativas sobre os outros. E essas expectativas são produto direto da existência de uma identidade falsa associada a si ou aos outros. E essa identidade falsa só é criada pois há o deslocamento da noção de verdade da coisa para a aparência da coisa.

No namoro tradicional, as pessoas tiram o valor um do outro. Se é amado, então tem valor, se é traído, então quer dizer que não tem valor, se não é amado, então não tem valor, se é elogiado, então tem valor, se é maltratado, então não tem valor e fica nessa punhetação infinita. Ai se a pessoa trai, isso simboliza que você não tem valor algum pra ela, logo você não tem nenhum valor inato. Aí nego corta o pulso e os caralho. Aí se ela te dá presente, vai atrás de você, isso significa que você tem valor e aí você fica feliz, em paz, alegre, pleno. Mas isso é tudo falso.

O verdadeiro eu está abandonado enquanto você tá concentrado na cabeça da outra pessoa. Na outra pessoa, quem você é está paralisado - não passa de uma identidade criada mentalmente. Você o verdadeiro valor inato real está em você. Portanto para eliminar o sofrimento é preciso eliminar a dependência do externo.

Esses dias eu tava vendo com um amigo um show na TV americana que a pessoa recebia dinheiro e tinha que falar a verdade. Aqueles programas polêmicos aonde a pessoa fala as verdades sórdidas da sua vida. As perguntas que vinham era só pedrada. Mas todo mundo falava a verdade.

Mas o que intriga é que a verdade é vergonhosa pra essas pessoas. Isso não faz sentido. É como se o "bom" fosse a mentira. O que as pessoas são de verdade, pensam de verdade, sentem, decidiram, escolheram, é... vergonhoso. E "destrói" as coisas, destrói a família, o casamento.

Mas a verdade é apenas o que é. É luz pura, o resto é criação da mente, é ilusão, é falso, trevas, neblina, turvo envolta daquilo que é claro e inegável. Ora, se a verdade corrói algo o problema é do algo, não da verdade. Tudo que não é a verdade, é apenas projeção, dos outros, da sociedade, em cima da pessoa - do que todo mundo quer que ela seja.

Outra coisa que eu reparei também é que um dos principais caminhos pelos quais se ganha audiência e atenção na TV brasileira é falando merda, mais especificamente falando mal de algo bom ou falando bem de algo ruim. A idéia dessa dialética da controvérsia, da contradição, é simples: isso só funciona por que as pessoas estão ligadas não ao fato da coisa ser boa, mas ao fato de dizerem que a coisa é boa ou ruim. É uma projeção em massa. E isso é tão percebido (talvez só não com essas palavras) que as pessoas na mídia usam propositalmente esse hack com frequência. Para juntar atenção você fala mal de algo, inverte algo, aí surge um monte de gente pra te contradizer, ao invés de nego cagar pra você já que você simplesmente está errado, ou seja, azar o seu.

Bom dito isso, só resta dizer pelo menos uma solução para esse problema, depois de tanto tempo falando dele.

A solução é extremamente simples, porém difícil e complexa (não complicada). Amar de verdade é uma coisa difícil. A maior parte de nós está acostumado a amar apenas quando lhe é conveniente; que é não muito além de um egoísmo. Amar é, para a maioria das pessoas que tenta de verdade, uma tarefa árdua de autoconhecimento e limpeza espiritual, uma limpeza dos julgamentos e projeções. Mas a simplicidade está no que se segue.

Para amar as pessoas de verdade, é preciso cagar para as pessoas. Não se importar.
Completamente ao contrário do que se ensina no mundo.

Essa, por incrível que pareça, é a única maneira de se desvencilhar da criação de uma identidade, que é maya. É o único jeito de se desfazer do resíduo das impressoes passadas deixadas por aquela pessoa na sua mente inquieta. É no silêncio venenoso, que o ego, ao morrer, permite que viva a pessoa de verdade.

Se as mães e pais não se importassem tanto com o que seus filhos fazem, elas não os proibiriam de viver a vida, e ao invés de simultaneamente superprotegê-los e aprisioná-los impedindo de viver, deixariam eles aprenderem com a vida de verdade, conforme deveria ser.

Se os conservadores vulgares não se importassem tanto com o que os homossexuais fazem entre quatro paredes ou como formaram pares e famílias com pessoas que não lhes dizem respeito ou mais ainda como o estado (que é a máxima ilusão, a de que o homem pode ser governado) se projeta em cima da questão, poderiam deixá-los viverem em paz de verdade, poderiam viver em paz consigo, e conservar para si os valores a que tanto são apegados.

Se os casais de namorados não se importassem tanto com o que fazem, com quem falam e se relacionam seus pares, no que eles estão pensando, se a relação vai perdurar, até quando, se existe chance de alguém outro estar com más intenções para consigo, se existe chance de aquele cara com quem ela fala na verdade ser um ricardão, ou aquela safada com quem ele está falando na verdade ser uma (nome feminino em superlativo sintético),e faça-se aqui um sem-número de outras conjecturas contrafactuais que anos de brainstorm e prints de facebook não dariam conta...

Estes casais poderiam viver o presente e simplesmente fazerem o que querem de verdade, ao invés de se dobrarem para agradar ao outro esperando ser agradado em troca. Agradariam a si mesmos com a compania de outra pessoa que também não espera nada em troca. Quando estão juntos são a si próprios; quando estão separados, nada muda. Quando é hora de viajar para outro país, não há separação; não há o fim de nada, em primeiro lugar nunca houve início. Não há o que perder; também não há o que se ter.

Só importaria o presente. Não importaria o futuro, pois não haveria o que se temer. Não haveria o que se perder, e mesmo que houvesse, estaria fora do seu controle.

Não importaria o passado, pois os conhecimentos que o definem estão no sempre-presente; sendo assim, qualquer relação com o passado é apego, e portanto maya(sofrimento). O passado são apenas as memórias que se tem de fatos que ocorreram; suas impressões acerca delas são julgamentos (logo projeções), portanto maya; e se é assim, não há o que se ressignificar - apenas constatar, acerca do passado, enquanto um conjunto de fatos do qual se tem memória. Portanto não há o que se importar.

O passado, do jeito que experienciamos no presente, são apenas memórias; por mais que você queira, é impossível esquecer os fatos que conheceu. O máximo que vai acontecer é você reprimir, jogar debaixo do tapete, mas ainda vai estar lá em algum lugar, nem que seja no subconsciente. Não são os fatos que te proporcionam o sofrimento; é a ilusão que você criou sobre os fatos por meio do seu julgamento sobre estes tais fatos.

Portanto pode passar a borracha à vontade. Tire tudo que se pode tirar. Tudo que é maya vai embora. No final, quando se retirou tudo, sobra aquilo que não pode ser apagado, aquilo que é eterno.

Elimine o julgamento; substitua-o pelo amor de verdade - pela ausência de julgamento. Pois você não precisa de nenhuma razão para amar. O único amor de verdade é o amor incondicional. O amor é o presente que esperando que você desfaça o embrulho criado pela sua mente.

Seja o sol, não por que há trevas e por que isto é necessario, não por que esperam de você que brilhe; mas por que isto é o que você é de verdade. Você é o amor; dele você foi feito, e a ele voltará.

Tudo o que tem de acontecer acontece; só resta ao humano contemplar a existência, e ser grato. Portanto seja e deixe ser.