quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Escritos Preliminares sobre a Teoria da Comunicação como Instrumento Máximo de Poder

Você existe apenas naquilo que faz.

Frederico Fellini

Hoje, quando eu tava começando meu dia de trabalho, fui fazer uma pesquisa e dei de cara com essa frase em um site que eu estava usando como fonte. Esse site tem mania de colocar essas frases maneiras, mas essa parece que foi especialmente colocada lá. Já tem algum tempo que eu preciso escrever esse texto.

Quando eu esbocei ele na minha mente, eu pensei em falar só sobre trabalho, aquilo que a gente faz. Mas não é isso que eu faço, ao menos não é só isso que eu faço. Pelo contrário, refletindo, descobri que o trabalho atrapalha aquilo que eu faço bem de verdade, e que todo mundo faz, ou deveria fazer, de verdade, que é refletir, pensar.

Ontem, eu resolvi começar a colocar essa relação no papel, esboçando esse texto, que também era pra ter sido escrito ontem. Ontem eu desmaiei de cansaço.

O que é trabalhar? A única coisa clara desse conceito, do que é trabalhar, é que ele é demasiado complexo. A gente tem que pegar o produto do trabalho pra descobrir o que é trabalhar. Trabalhar nasce de uma necessidade, necessidade essa que são duas na verdade, produzir bens de consumo para trocá-los ou consumi-los, um viés material, e produzir para alimentar seu próprio ego, ou para se sentir útil, ou qualquer justificativa que sua mente te dê para que você se sinta impelido a produzir, que poderíamos chamar de viés abstrato do que é trabalhar.

Trabalhar então é, descartado todas as análises jurídicas ou econômicas, uma parte do conceito de produzir, que é uma parte do conceito de criar. Por que a gradação se dá assim? Porque todo trabalho envolve criação até um certo grau, que nada mais é do que tirar algo do nada. Nem que esse algo se limite a raciocinar um mecanismo de funcionamento, o raciocínio sempre surge do nada, ainda que inspirado por outra coisa, como o próprio mecanismo. A idéia surge na sua cabeça, ela não é produzida. A produção, o produzir, por sua vez, envolve a necessidade de uma matéria prima. Todo trabalho envolve produzir em um certo grau, sempre maior do que o grau de criar, pois todo trabalho envolve a necessidade de matéria prima.

A gradação, se você pensar cabalisticamente, é mais ou menos como a das Sephirot. Do mais abstrato para o mais material, do mais espontâneo para o menos, do mais Divino para o mais humano. Trabalhar é uma atividade exclusivamente humana. Deus nunca trabalhou, Deus criava. Essa busca pelo material típica do capitalismo gerou uma sociedade onde todo mundo trabalha, mas ninguém cria. Vamos por partes.

Não existe trabalho que seja somente criação. Alguém poderia dizer que “ah, o filósofo cria!”. Os filósofos de hoje, o que, numa sociedade altamente especializada, pouco dinâmica e capitalista como a nossa é um cara que fez faculdade de filosofia, não criam enquanto trabalham. O trabalho dele é dar aulas sobre o que outras pessoas criaram. Quando ele próprio cria, não está trabalhando. Trabalhar é um ato vinculado ao material, criar, ao abstrato. Não existe uma essência do trabalho. O trabalho carrega um pouco da essência do que é criar, mas somente isso, sendo infinitamente menor do que ela é. Diferente das essências dos homens, que no vazar pelas Sephirot, mantiveram-se substancialmente, as essências das coisas, ainda me escapa o mecanismo lógico para entender o “porquê” disso, se separaram em diversas ações no mundo. Por exemplo, o verde. O Verde existe essencialmente, mas não no nosso mundo, onde o verde se divide entre plantas, cores de lápis, objetos e até mesmo verbos, como “colorir de Verde”.

Parágrafo explicativo:

O Verde age no mundo em todas essas coisas, por isso que disse que a essência se separa em diversas “ações”. No mundo, não existe nada que seja estanque, tudo é dinâmico, apesar da vontade essencial da civilização ocidental era transformar tudo no que “é”, enquanto nada “é” em nosso mundo, tudo “deve ser; será; devir”. A coisa só “é” em sua essência, que certamente não se contém na nossa dimensão, pois nada pode “ser” enquanto existir um tempo que não “é”. Enfim, discussão para cinqüenta textos. Morra Parmênides!

De qualquer forma, não sei se me fiz claro, mas trabalhar não tem essência independente. Trabalhar é um ato mundano que contém a essência do que é criar. Mas nós podemos criar, que é quando aspiramos mais alto, que nos faz igual a Divindade. Deus disse que criou o homem a sua imagem e semelhança. Está aí sua explicação. Aqueles que já leram outros textos meus sabem que acredito que somos fruto da imaginação Divina, que fomos imaginados e passamos a existir dentro da mens divina, por força exclusiva desta. Nós também podemos fazer isso, imaginar e fazer existir, mas com uma pequena diferença.

O silêncio. Deus pode criar silenciosamente, e ele faz existir a essência imutável, que vaza para todas as ações em nosso mundo de sombras. Nós não. Nossa limitação física nos obriga a falar para criar, a escrever, registrar, pois não conseguimos meramente criar essências, a não ser que coloquemos suas idéias no papel. E aí vem uma questão maior. Deus criou tudo no mundo (stricto sensu desta última palavra, no sentido que damos a ela), logo tudo que nós criamos já existia como essência. Nesse caso, não estaríamos apenas descobrindo o que Deus criou? Ou não seríamos nós mesmos demiurgos de experiências que criamos? Ou ainda, não estaríamos na mens de um demiurgo, que ainda que tivesse uma sapiência infinitamente maior que a nossa, não seria ele próprio criação divina? A única coisa que me parece perfeitamente clara é que, seguindo esses degraus de ascendência, por fim descobriremos a existência de Um que criou tudo, a verdadeira Divindade.

Está escrito na Bíblia que o Verbo se fez carne, e tudo que Deus criou foi falado. Não creio. Deus criou em silêncio, mas como não conseguíamos nós mesmos criar em silêncio, transpusemos para o papel o que fazíamos, para marcar nossa semelhança com o Divino, ainda que pequena. Mas como assim não podemos criar em silêncio? Você, paulista, deve estar em casa “ô loco, mano, fico aqui em silêncio sussa peinsândo nas minhas coisa, o mano não inteinde nada de criar”. Não digo que não possamos “pensar”, mas pensar é totalmente diverso de “criar”. Pensar se assemelha a refletir e é um mecanismo racional, criar não necessariamente é racional. Para pensar, você pensa em algo, mas criar é mais como “imaginar”, ainda que não igual. Imaginar não tem obrigação nenhuma. O Criador tem obrigações para com sua Criatura.

Enfim, sei que estou tentando esmiuçar um assunto gigantesco, mas são só pontos importantes de serem abordados, e espero que alguém mais sábio e com mais humildade que eu um dia possa me explicar melhor isso. Talvez isso tudo seja uma busca egoística pelo conhecimento, talvez a necessidade de cristalizar uma reflexão, um conhecimento adquirido. Não crio nada novo aqui, apenas reflito e cristalizo minha reflexão. Apenas “produzo”. Se escrevesse uma história original, creio eu que aí sim, estaria “criando”.

Enfim, o assunto principal desse texto era, como havia dito inicialmente, mostrar como trabalhar atrapalha minha vida (haha). Primeiro, posso dizer que trabalhar rejeita essencialmente o meu objetivo maior, que é me desprender do material, que é infeliz, vazio por si só (não mal! Não sou maniqueísta!), e me ligar mais ao abstrato. Se trabalhar é uma das reduções materiais da abstração “criar”, eu, ao trabalhar, me ligo mais ao material. Claro que não podemos deixar de trabalhar, mas nós trabalhamos muito hoje em dia. Para que? Para acumular dinheiro para comprar coisas e preencher o vazia que o próprio trabalha provoca, por não termos tempo para criar nada. Claro que essa falta de tempo afeta todos os seres humanos que querem criar algo, que não necessariamente são todos. Os seres humanos são diferentes uns dos outros. Alguns se contentam só com o trabalho. Outros aspiram coisas maiores, “criar” efetivamente, chegar o mais próximo possível da Divindade.

No meu caso, eu desejo muito, mas não consigo. Mesmo no pouco tempo que me resta, não consigo “criar”. Por que? Porque estou cansado demais, até mesmo para pensar. E não há espaço para criar no mundo de hoje, pois não há tempo, e o ser humano corre contra o tempo, contra a morte. O problema é que isso é errado, e acabamos valorizando as coisas erradas. Nós só trabalhamos, não criamos e pouco produzimos. Porque temos esse parâmetro de sucesso determinado pelo tempo, que é uma coisa extremamente Ocidental. Estava lendo um livro de xadrez e, numa determinada passagem, o autor fala do xadrez como ele era nos territórios muçulmanos no medievo. Ele fala que o jogo podia durar horas, devido aos movimentos do bispo e da rainha, que eram diversos dos que foram adotados no Ocidente quase que imediatamente após sua chegada na Europa. Nós modificamos o jogo em diversos sentidos. Mudamos a forma como se movimentam as peças, e até mesmo a forma como o jogo é abordado por nós. Nosso dinamismo desenfreado fez com que trocássemos a abordagem islâmica de usar os primeiros 19 a 25 movimentos para organizar nossas peças no campo, por uma abordagem mais desenfreada, onde desde o começo o que determina o ritmo do jogo é a movimentação das peças do adversário.

É a forma como o ocidental pensa sua relação com o Tempo e com o Espaço. O que determina o caráter de um povo, seu habitus, é justamente sua capacidade de se relacionar com o Tempo e com o Espaço. Como sua relação com o Espaço sempre foi precária: frio, inóspita, hostil, a Europa pré-civilização, e povoada de inimigos, fria e hostil, a Europa pós-civilizada (e, convenhamos, somos todos europeus); sua relação com o Tempo sempre se pautou por esta. Não poderia ser dado tempo as ameaças para que elas se concretizassem. E isso, de aproveitar o tempo da forma mais frenética possível, se tornou sucesso para o Europeu e para o Ocidental de uma forma geral.

Não que não seja, mas o mais tradicional ditado atribuído aos norte-americanos expressa bem o que comprova o bom aproveitamento do tempo na visão do Ocidente: “time is Money”. Tempo é dinheiro, tempo bem aproveitado. Logo sucesso virou fazer dinheiro. Isto na verdade teve implicações muito profundas na história das sociedades, e determinou a ascensão ao poder da burguesia. A burguesia trabalhava, em contraposto a Nobreza, que era a classe ociosa, logo gerava dinheiro, que podia comprar o poder que já era deles pelo domínio que tinham sobre o Tempo, reconhecido pelo próprio gerar dinheiro. A partir do momento que eles reconheceram esta relação, tentaram dar validade política a ela e, através da Revolução Francesa, conseguiram. Acabara o tempo em que a ociosidade determinava a superioridade.

Este ócio não é bem aceito no Ocidente. Tem por aqui o epíteto de vagabundagem. Concordo que o ócio de fato seja vagabundagem, mas vamos relacionar agora as duas análises, do abstrato com o material. Acredito, como já expresso, que a fala, o registro, enfim, a expressão, é o mecanismo principal de criação utilizado pelo ser humano. No entanto, trabalhar exaure o raciocínio, a reflexão, o pensar, exaurindo logo nossa capacidade de pensar e criar. Nos subtrai o “ócio criativo”! Quando há de surgir sob esse vil modelo capitalista que vivemos outro Adam Smith, John Locke ou semelhante?

E por que cito eles? Porque acima de tudo eles eram generalistas, polímatas. Tinham tempo de refletir e de criar, e ainda sobrava tempo de produzir e trabalhar. Nosso modelo nos impede que sobre esse tempo justamente quando ele é mais necessário, em nossa juventude, onde tudo aprendemos e reproduzimos com a maior facilidade. Nosso sistema nos desgasta e impede que nós o revolucionemos, como esses homens fizeram no tempo deles. Eles não deixaram de trabalhar, só tinham uma rotina mais sadia, mais bem dividida entre trabalho e ócio, que para eles se tornava um momento de criação, como é inerente a todo “criador”.

Enfrentada essa relação com o trabalho, passamos a outro questionamento. O ser humano “cria”. Mas por que eu afirmo que só se cria quando se coloca no papel, registra ou coisa parecida? Poderia repetir o argumento usado lá em cima, de que nós não temos a mens divina, mas essa é uma afirmação, um argumento, baseado na oposição entre dois fatores que foram aproximados para comparação. E uma comparação que ainda constatou a existência de uma semelhança entre a Divindade e nós. Vamos partir então pra outro argumento, que afirme por si só porque precisamos registrar.

Nós não podemos “criar” criaturas de fato, liberá-las para ter suas próprias vontades, para que elas nos reconheçam como criadores e possamos fazer que nem a Divindade faz com a humanidade, se alimentando do próprio Amor que gerou no coração dos homens. Mas se até Ele precisa de um espelho, precisou compartilhar o mundo, por que com nós seria diferente?

É, na verdade, exatamente igual. Vou pegar dois exemplos. Dragões e psicanálise. Ou melhor, o Diabo e a psicanálise. Hoje existe uma grande descrença no Senhor do Submundo. Mesmo que ele batesse na sua porta, poucos veriam, porque ninguém acredita que ele exista de fato, a não ser pelos religiosos. É aquele argumento do monstro de desenho de criança. A partir que se criam parâmetros que neguem a existência de uma coisa, ou que a existência dessa coisa seja negada por si só, seria como se esta coisa nunca tivesse existido ou não existisse, mesmo existindo. Como se nunca tivesse sido criado. As pessoas, e isso é óbvio, é que eu defendo a minha vida inteira, não enxergam a realidade, mas apenas a realidade que elas querem ver. Apenas sombras de uma realidade maior. Uma realidade verdadeira. Papai Noel é certamente mais real, com mais características, mais personalidade, mais profundidade que muita gente por aí.

Por que citei a psicanálise? Porque a psicanálise também acredita nisso. Quando o paciente fala, ele reconhece seus problemas, ele “cria” seus problemas, no sentido de dar liquidez e certeza, para usar termos jurídicos, a eles e começar a trata-los, ou aprender a viver com eles. E não só isso. Para que alguém reconheça eles como parte de um mundo onde se vive, onde eles possam ser atingidos. Quando você fala do elefante branco na sala ninguém mais pode negá-lo. Ele está lá. A mesma coisa com as histórias do Sinbad e o Papai Noel. Todo mundo acredita neles. Eles têm personalidade, eles podem ser julgados, eles existem. Eles existem sim, num mundo que não é esse, mas existem dentro de uma lógica própria, dentro de um sistema próprio, hermético, que só pode ser julgado logicamente se existe ou não pelas suas próprias regras. Como eu disse, são reconhecidos.

Esse reconhecimento que eu digo que, diferentemente de Deus, nós não podemos ter por nós mesmos, ou pelas nossas criaturas. E por isso levamos a nossos pares, e eles reconhecem a existência dessa lógica própria que governa ações (no sentido que eu dei anteriormente para ações), ou colocamos num papel e nunca mostramos a ninguém, mas nos impedimos de esquecer ou de deixar esquecer no momento que colocamos no papel.

Isso nos leva ao último tópico que coloquei no esbocinho citado no começo do texto.

A comunicação. A comunicação como instrumento de criação. A comunicação como instrumento máximo de poder, e as dificuldades que ela enfrenta para se impor soberana. Se comunicar é primordialmente estabelecer relações com pessoas e se expressar (resolvi adotar este vocábulo, é mais preciso) é criar, então se comunicar é, diversas vezes, estabelecer um vínculo que determina se a sua criação é mais do que uma produção para se sentir útil ou para alimentar seu próprio ego, mas uma Verdade, pois é reconhecida por mais de uma pessoa.

O conceito de Verdade sempre é complexo, porque ele permeia todos os outros, mas não chega na materialidade terrestre. Minha arrogância diria que um rascunho do conceito de Verdade deveria conter uma análise profunda de todas as ações (no sentido dado por este texto a palavra) que geraram a Ação que está sendo estudada. Mas essa análise teria que ser ou extremamente dinâmica ou atemporal, pois esta Ação, a cada milésimo de segundo, se perde cada vez mais no passado (que é um conceito impossível) e na memória, que nos é falha.

E é aí que entra a comunicação como instrumento máximo de poder. Comunicando, se expressando, logo criando, se determina o que é a Verdade. Peguemos um exemplo religioso. Como vocês já devem ter percebido, sou católico, mas vamos pegar este exemplo que é bom. Cristo pregou um determinado número de coisas, que não foram registradas por um gravador. Tendo sido um homem de influência, deixou seguidores para espalhar sua palavra. A espalhando, garantidamente, mudaram alguma coisa, nem que fosse para fins de tornar a Escritura mais didática. Mudaram a Verdade, criaram uma nova Verdade. Espalharam a fé como queriam.

Os concílios que condenaram hereges nada mais queriam que eles se calassem, parassem de dizer mentiras, criar mentiras. No mundo de um herege, a lógica que funciona é outra, a Felicidade, bem Supremo para o ser humano, é perseguida de outra forma. E isso nos leva a primeira relação de poder que se estabelece pela linguagem, primeira de duas, que nada mais são que teorias derivas da perspectiva Huntingtoniana e da Marxista de enxergar a contemporaneidade.

A primeira relação, a Huntingtoniana, é intercultural, abstrata, onde a gradação do poder se institui daquele que tem a cultura mais forte, mais cristalizada, para àquele que não a tem. Você pode pensar aqui no Monoteísmo cristão e sua relação com as religiões pagãs, na troca que se deu entre Roma e Grécia, com os primeiros praticamente adotando a cultura (e aqui cultura envolve tudo, desde o que você como ao Deus no qual você acredita) dos últimos. Um diálogo mais bem estruturado, mais lógico, ou mesmo só mais adequado a audiência possibilita a imposição de uma verdade entre todas.

Mas essa primeira relação não pode ser analisada em detrimento da segunda. Pelo contrário, elas são complementares. Se você chega com armas, ou dinheiro, caso você seja menos Sarkozy, fica muito mais fácil impor qualquer coisa. Mas não é só isso. Pertencer a uma classe mais alta envolve todo um arcabouço cultural diverso, um arcabouço que está em sua maioria em livros, um arcabouço escrito. O das classes menos abastadas não é assim. É, na maioria das vezes, oral. Mas que diferença isso faz?

É aquela questão da memória. Não memorizamos tudo, corrompemos o que acreditávamos a 5 minutos atrás para ser mais adequado ao que pensamos agora. Mas quando está escrito, muitas vezes nem precisamos nos lembrar. Uma cultura escrita tende a desenvolver melhor os argumentos que justificam as conclusões das teorias presentes nos livros, hermetiza mais o conhecimento, torna-o menos vulnerável, ou até mesmo invulnerável.

Mas problemas de comunicação graves podem se dar acerca de concepções de mundo diversas, habitus diversos, línguas diversas (enfim, mentalidades diversas) quando aqueles dois que se comunicam pertencem a culturas (mentalidades) diferentes ou a classes sociais diferentes. Esse é justamente o ponto. A comunicação implica a relação de poder última, a quintessência do poder. Por que? Porque se expressar é criar.

E como podemos analisar isso? Peguemos o caso de Menocchio, um moleiro da idade média cujas ideias foram tema do livro O Queijo e os Vermes de Carlo Ginzburg. Este livro nada mais é do que a prova material de que a comunicação é a explicitação ulterior de uma relação de poder. O que motiva tanto os inquisidores que condenaram Menocchio quanto o autor do livro a penetrar profundamente nesta cosmogonia tão específica nada mais é a discrepância entre as perguntais feitas pelos primeiros e as respostas dadas pelo moleiro.

Como se respondesse a perguntas totalmente diversas, perguntas que não foram feitas, Menocchio explicita sua original cosmogonia, para surpresa dos inquisidores. Menocchio, orgulhoso de si mesmo, nos revela uma formação cultural diversa, mas estritamente marcada pelo seu pertencimento a uma classe que, ainda que não pobre, estava longe de ser nobre. Toda essa falta de acesso a uma educação formal, clássica, das classes superiores, lhe dão um instrumento de leitura, uma ótica, uma capacidade de interpretação, totalmente diversa da padrão, da consensual, do acordado. E isso faz com que esta interpretação seja, por sua vez, totalmente diversa da padrão, da consensual, do acordado.

Mas Menocchio é o exemplo da relação de poder Marxista, material, onde por fim os mais poderosos impõem sua forma de pensar, como fizeram ao assassiná-lo. Por que excluo a relação Huntingtoniana aqui? Porque, apesar de reconhecer que existiam culturas diversas, uma popular e uma erudita em choque, vejo essas relações culturais como determinadas pelas relações socioeconômicas. O pensamento de Menocchio muitas vezes é classista, mas não só isso. Sua visão, sua interpretação dos textos, é classista, pois a ele não foi provida uma educação clássica que enquadrasse sua ferramenta interpretativa a de seus iguais, europeus.

A relação Huntingtoniana é muito diversa. É basicamente o que Huntington disse, no puro, mas vista sob uma ótica comunicacional. Huntington foi o cara que criou a teoria de que, no futuro (dele, a.k.a. presente for us), as lutas não seriam mais entre nações, mas entre culturas, teoria que está obviamente certa, bastando que analisemos que o mundo se divide entre dois polos, Ocidente (esse se divide em dois subpolos, Américas (e, geograficamente, Austrália) – EUA, se você preferir – e Europa Ocidental – não estou certo se a Oriental gera um novo subpolo -, que se esforça pra pelar os EUA) e Islã, e três (ou quatro) subpolos, Extremo Oriente (China e Japão) e África (e talvez Rússia e Europa Oriental, não estou certo), e que esses polos e subpolos são diferentes CULTURALMENTE, e vivem saindo na porrada. Claro que existem diferenças econômicas, mas mesmo que todo mundo fosse rico, eles ainda compreenderiam o mundo de forma TOTALMENTE diversa uns dos outros. E provavelmente continuariam saindo na porrada, ainda que com menos constância.

A grande questão é que, partindo de uma ótica materialista, se formos analisar esses conflitos, sempre caímos num beco sem saída. Aliás, vamos ver esses dois sentidos da palavra materialista. Podemos usá-la para designar a teoria marxista. Um exemplo de que ela não se impõem inconteste ao alegar que o que determina tudo na vida é a riqueza econômica ou a falta dela é a Primeira Guerra Mundial. Geral bem estabelecido. Tinham partilhado toda a África. A Alemanha tinha crescido 600% (ou 400%, enfim, muito) desde 1871, a Inglaterra ainda era uma potência colonial, os EUA tavam felizões isolados. O que fez com que elas entrassem em guerra? Vou deixar G. K. Chesterton responder essa:

“Eu estou mais convencido do que nunca de que a Grande Guerra aconteceu porque as nações eram muito grandes, e não porque eram muito pequenas. Aconteceu especificamente porque as grandes nações queriam se tornar o “Estado Mundial”. Mas aconteceu, acima de tudo, porque tudo que é tão vasto quanto um império é, ao mesmo tempo, frio, vazio e impessoal. NÃO foi apenas uma guerra de nações; foi uma guerra de internacionalistas beligerantes.”

Percebe-se, se seguirmos a lógica do pai do Distributismo que nenhum motivo meramente material guiou o mundo para ir pra guerra. Ainda que pensassem no dinheiro, era só pensar que, eventualmente, trabalhadores morreriam na guerra, mesmo que fosse uma guerra de uma semana. Alcançada a vitória em uma semana, se diminuiria o poder da nação rival, mas esta não seria dominada (os europeus não faziam mais isso nessa época, mesmo porque o risco de revoluções seria grande numa época onde os nacionalismos estavam pegando fogo), então sua população não poderia ser escravizada. Morrendo trabalhadores, seu poder econômico diminuiria, porque haveria menor incorporação da mais valia. Mesmo que isso ocorresse com as duas nações, não seria vantagem pra nenhuma delas, pois as duas ficariam mais fracas frente àquelas que não se envolveram no conflito. Mesmo que uma pagasse uma indenização para a outra, essa indenização não seria suficiente, pois dinheiro não faz os homens nascerem. Enfim, as nações poderiam ter lucrado muito mais na paz. Só lucra com guerras o fabricante de armas, e os fabricantes de armas não sustentam um país, por maior que seja seu poder econômico. Não podem nem sequer pagar um suborno que o grupo de empresas que prosperam durante a paz e empobrecem durante a guerra poderiam pagar para que a guerra não fosse feita.

Ainda que possam ter se enganado acerca das vantagens econômicas da guerra, certamente havia um instinto aí, de dominação. Ao mesmo tempo, não podemos desprezar a influência da linha marxista aí. Não se fazia a guerra para ser mais rico, somente, mas principalmente o contrário. Se fazia a guerra porque se era o mais rico, logo se deveria ter mais poder. Mais ou menos o que aconteceu com os burgueses durante a Revolução Francesa. Mas como se demonstra o poder? Impondo sua visão de mundo. Através da expressão. Os americanos não são os mais poderosos do mundo só porque tem o maior exército, ou porque tinham a economia mais pujante, mas porque implantaram uma cultura mundialmente que, ainda que vinculada intrinsecamente as suas indústrias, era uma cultura, uma visão de mundo específica. É só você pensar que, ainda que o core seja americano, muitas das coisas que nos definem como ocidentais contemporâneos ainda são provenientes dos Estados falidos da Europa, ou de civilizações mortas. O que nos define, nos delimita, ainda e acima de tudo, é nosso pertencimento cultural.

E é justamente essa cultura que se cria através da expressão e que entra em embate com outras culturas.

Ainda que essas duas relações de poder derivadas da comunicação se entrelacem de forma complexa, é possível ver diferenças nelas. Poderíamos, de uma forma geral, dizer que a interclasse é analisada dentro de um microcosmo especificado e a intercultural em um macrocosmo. Mas esses modelos estão longe de ser absolutos. Tem casais que, por virem de meios diferentes, de culturas diferentes, ainda que tendo situações econômicas menos discrepantes que o esperado, valorizam virtudes diferentes e poderíamos dizer que os combates que acontecem dentro deste microcosmo derivarão muito mais de uma relação de poder comunicativa intercultural do que uma interclasse. Preponderarão elementos do choque intercultural, em detrimento do interclasse, sintetizando.

Ao mesmo tempo, poderíamos apontar situações onde ocorre o choque interclasse entre nações diferentes, como conflitos entre alguns países na África. Ainda que neste continente muitas das guerras sejam determinadas pela origem étnica (cultural) diversa, muitos são determinados majoritariamente por fatores socioeconômicos.

Sintetizando mais uma vez, nas relações de poder interclasse temos uma preponderância de fatores socioeconômicos. Na intercultural, de fatores culturais. Estas relações, quando conflituosas, servem justamente para definir quem vai impor sua visão de mundo. Esta visão de mundo é criada. A única forma de cria-la é fazendo com que outros a reconheçam. A única forma de criar é se expressar.

Vou publicá-lo, como sempre, sem revisão. Escrevi esse texto em 3 períodos de tempo, nos quais só sentei e coloquei no papel o que pensava. Acho que esse método conserva a pureza do pensamento e permite que ele seja criticado com mais facilidade. Um raciocínio criticado nas suas bases pode ser consertado nas suas bases.

3 comentários:

Guilherme Alfradique Klausner disse...

Não sei consertar a formatação. Morra o mundo!

Yuichi Inumaru disse...

Consertei veio uhsahusahuas

Guilherme Alfradique Klausner disse...

Brigadão, parcêro!