quarta-feira, 3 de abril de 2019

A diferença entre se calar e estar em silêncio

A verdade é autoevidente.

Uma vez vista, não pode ser desvista, somente subposta a uma ilusão de próprio cunho ou subscrição. Sendo assim nada é possível ser feito se a vontade do indivíduo criador da ilusão não permitir.

Uma vez que ainda não foi vista, a verdade só pode ser conjecturada no imaginário/simbólico, aguardando sua realização. Sendo assim nada é possível ser feito a não ser permanecer em estado de humilde isenção e reconhecimento da própria ignorância, do contrário se cai numa ilusão de possuir um conhecimento que não condiz com a realidade - ou seja, ilusão autoimposta como no primeiro caso.

Se dizer a verdade adiantasse alguma coisa, já todos estariam iluminados faz tempo. Onde falta vontade de ver, não basta nem mostrar; quanto mais falar a verdade. É preciso que se mude a vontade das pessoas, e isso somente elas podem fazer por si mesmas.

O máximo que é possível fazer é viver no máximo de si, dentro da verdade, da felicidade e da realização. E elas talvez, aí, queiram o que você tem.

Cobrar discursos e "posicionamentos" é mais uma das bobagens vulgares advindas da armadilha cognitiva instalada na base precária da educação que temos.

Isto força a significar coisas das quais não se tem a menor ideia de sua substância, propagando ainda mais ignorância; quando do contrário, no silêncio hesitoso, no estudo e na meditação aprofundados sobre o assunto, poderia-se adquirir bases decentes para tomada de decisões e formar conceitos com maior temperança.

Mais ainda, o posicionamento e o discurso forçado são apostas imbecis. Por sua natureza, eles estão sendo baseados em algum senso de confiança no outro, seja este outro o mito popular, a academia, a mídia ou outros lugares abstratos onde há confiança emocional, como a família.

Eles são uma aposta de que é possível confiar verdadeiramente nesta(s) fonte(s), de que o outro está certo e de que não é preciso verificar a veracidade do que dizem. O que pode ser razoável no caso de instituições cujo rigor é sabido, como a academia. Mas ainda assim, a verdade não passa de uma tentativa. A ciência pode até mesmo ser a melhor tentativa que temos, mas não passa, ainda, de uma tentativa. Pela mesma razão, esta encontra-se em perpétua evolução.

Isto para não mencionar o fato de que, uma coisa é entender o conceito científico a fundo e suas implicações, outra muito diferente é ir ler a página dos Fatos Curiosos e achar que entende.

A armadilha cognitiva está principalmente no fato de que o mero questionar destes símbolos é tido como um absurdo e um ultraje para aqueles que subscrevem às suas apostas. O que se segue disso é a falsa dicotomia imediata - ou se aceita por completo ou é completamente contra.

Um exemplo simplista e grosseiro com a questão das vacinas. É preciso evidentemente ter rigor quanto à qualidade das vacinas distribuídas nos postos de saúde, especialmente as vindas do exterior, onde se foge o controle de qualidade doméstico. Alguém que questione isso pode ao mesmo tempo ser combatido por defensores das vacinas que vêem um ataque à ciência que inexiste, quanto ser combatido por defensores do direito a viver sem vacina, pelo mesmo motivo - enxergar um ataque a si que inexiste.

A atitude de uma aposta não é a atitude de um saber. A postura correta é sempre de saber se é verdade, nunca de acreditar que é verdade. Questionar é no mínimo ser educado.

O saber científico sempre está em um suspenso; embora haja conceitos verificáveis e sólidos, pode ser que a fundamentação teórica tenha suas bases  transformadas em inteiramente diferentes, numa descoberta que leve a uma próxima revolução científica. O universo pode ser uma simulação, um holograma, ter um monte de dimensões das quais não fazemos ideia por não percebermos de imediato, e sei lá o que mais. Alguns destes fatos podem pôr à tona inúmeros conceitos anteriores sobre o que são as coisas e porque o são. Dito isso, há uma diferença entre o conceito de verdade científica e verdade na metafísica.

Além disso, ou as instituições científicas seguem seus preceitos, ou não. Se sim, então as verdades científicas não carecem de ser defendidas permanentemente, uma vez que já o foram, a rigor. Ou se sabe, ou não se sabe. Quem não sabe, é factualmente burro. Não se fala sobre a água ser molhada; tampouco deve receber atenção o fato do burro ser burro. Explica-se uma vez educadamente, por cortesia, e olhe lá.

Cobrar posicionamento é um fenômeno típico de uma sociedade aonde a opinião importa demais, e o saber que fundamenta esta opinião, de menos. É uma tolice, tal como falar a verdade para quem não quer ouvir. Não faz diferença nenhuma, quando pouco. Quando muito (no caso dos mais jovens) produz danos psicológicos e crenças mal-fundamentadas.

A diferença entre se calar e estar em silêncio é, pelo bem da metáfora, que o segundo é seguro do que conhece e do que é ignorante, enquanto o primeiro cede a uma pressão dentro do jogo de apostas imbecis.

Um comentário:

Anônimo disse...

Me apaixonei por você e pelos seus textos, Yuichi