Um aniversário deveria ser, teoricamente, a data aonde se comemora o nascimento - e portanto o fato de alguém viver (ou ter vivido) a partir deste. Na verdade, todo dia deveria ser seu aniversário.
Eu me sinto como se meus aniversários anteriores tivessem sido a exultação dos dizeres acumulados durante o ano que o precedeu de que eu era, em essência, algo inferior a um escravo - um boneco, que um tirano qualquer que se denominasse pai ou mãe ou responsável, afim de reclamar autoridade sobre mim, poderia fazer a merda que quisesse ou me obrigar a fazê-la. Já que este paga minhas contas.
Nesta ocasião, as pessoas me presenteavam de coisas que julgam que eu preciso ou quero, sem nunca terem me perguntado nada a respeito - pois é claro, como poderiam; não me conhecem, e afinal criança não tem querer. Neste estranho ritual, celebrava-se a minha ausência de personalidade e vontade chamando pessoas que eu não gosto para comemorar o meu nascimento me dando coisas que eu não quero e conselhos inúteis ou nocivos. Só posso concluir que o meu nascimento teve, então, alguma utilidade sádica na mente deles.
Fico velho e resolvo não mais compactuar com esse tipo de prática. Me chamam de ingrato.
O que dói mais não é a contradição nem o cinismo; é que no fundo, apesar de toda mágoa, eu queria que tivesse sido diferente.